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Para as estrelas?
Perante Ad Astra, o mais recente filme de James Gray, corre-se um sério risco: permitir que a voluptuosidade do olhar interior que o filme convoca se deixe abater pelo aparente paradoxo científico. Anos de vício científico e sonhos por cumprir…
Contudo, isto é cinema, simplesmente cinema, o que abarca a vida, a ciência e tudo o que remanesce, pelo que um tal tópico, pagas as dívidas mais prementes, só pode servir para início de conversa.
O filme é escorregadio, portanto. Pelo menos no primeiro visionamento – e filme que se preze precisa no mínimo de três. Mas, bem vistas as coisas, adopta uma orientação reconhecível; se se quiser resumir, digamos que de acordo com as expectativas desde as primeiras imagens, assente nas necessidades primordiais tal como nós, juízes em causa própria, as supomos. Um sopro, a que se segue a visão dantesca do impensável, e dali, uma vez que o nosso herói sobrevive, para o desconhecido (que, por ser Espaço, reverte no Infinito). Desaba no sentido da gravidade tão rápida e intensamente quanto o defrontar / encarar permite, para dela (prontamente) se libertar para sempre (seja como força – i.e., propriedade científica -, seja como símbolo).
Assume o salto no abismo como base de trabalho, prevendo que, de um salto, ou se cai rapidamente ou não se chega a cair. Roy, o ponto concentracionário da obra, de onde tudo emana, num filme de Sci-Fi ajustado ao grande-plano, começa por cair a grande velocidade na Terra natal, para depois cair lentamente numa cratera lunar. Em Marte, a paragem seguinte, não cai, antes ondula e serpenteia num lago encastrado no subsolo. Até que no términus da viagem, em Neptuno, perante o abismo dos abismos que lhe foi dado a contemplar, começa por flutuar no vácuo, e seguidamente é-lhe concedido voar. Suficientemente longe do Sol, onde o que queima não são as chamas de um qualquer inferno inventado para doer no corpo, mas as amarras de uma prisão que não entendia e passa a aceitar, assim se libertando – para, por um breve instante, voar.
Aceitar um mundo sem Deus, em última instância é disso que se trata, implica aceitar um mundo sem nexo para além do nexo de causalidade. Viver nesse mundo num estado de sanidade implica, por sua vez, aceitação. A espiritualidade não é vácua nem é absoluta, é a essência de um comportamento regrado, em que se aceitam barreiras e se vive o desencanto. Por outras palavras, não se omite o passado nem se sonha o futuro radioso, vive-se simplesmente – a sós com uma imagem corpo-alma que é nossa e só nossa e sob escolhas, na aparência, restringidas, mas também outras por determinar. Muda-se o que está para vir, não esquecendo o que passou. Todos os corações das trevas têm os seus horrores, mas alguém vai sobreviver, eventualmente, pelo que também têm as suas aprendizagens.
No fundo, tudo se resume à forma como se enfrenta a inevitável solidão.
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