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Tár, o terceiro filme dirigido por Todd Field em escassos 22 anos -
Diria que uma questão obrigatória, quando postos perante um filme, incide na sua colocação: ou fora do universo ou fixo no seu centro ou outra, intermédia, dentro do vastíssimo campo das possibilidades.
Se falamos de posições extremas, as duas primeiras, problemas surgem de imediato: ou se perde o ponto focal ou se afirma e ampara exclusivamente na sua especificidade (talvez circunstância seja uma melhor palavra), nessa ordem. Perde-se, portanto, a hipótese do ambíguo, da quebra, e também do ecuménico, onde a arte pode respirar em relativa paz perante o abismo.
Tár é o filme que contém todas as qualidades, logo é astuto, e por isso faz o que deve: muda de posição, adequando e adequando-se. Por exemplo, raramente se aproxima da forma e do resultado dos sonhos da personagem central, que, diga-se, consome praticamente todos os recursos do filme, filmados sempre à distância e quase sempre através de representações difusas. Por outro lado, quanto à expressão da monomania (loucura parece excessivo; histeria, deslocado), elemento significativo na construção da personagem, centra-se quase sempre no detalhe – e assim mantém essas 'componentes' no seu devido lugar, no inóspito da mente perturbada.
Depois, em momentos cruciais, não perde o contacto com o que o espectador toma por garantido - diversas impregnações do real (o entrevistador no início é mesmo um jornalista da New Yorker, o cenário é mesmo o da filarmónica de Berlim, a figura tutelar de Bernstein, e no final acabamos por reconhecer com certo horror que se trata da banda-sonora de Monster Hunter), o que lhe confere, não verdade, mas, imagine-se, cola dramática, o seu pungente simulacro.
Manipula ao mesmo tempo com rigor e um brilho nos olhos, que se transfere para nós, os que olham com atenção, embevecidos. Versa sobre assuntos do dia-a-dia, contudo é na singularidade da personagem que concentra a maior força, a que nos agarra pelos colarinhos. É belo porque imensamente bem filmado, e também porque nos conta coisas tanto quanto conta connosco; dentro da sua convenção, quer dizer, apresentando modelos sem antes ou durante expor regras que permitam decifrar, isto é, confiando nessa sumidade abstrata que é o espectador ideal.
Tár é um filme mágico, perturbador e uma obra-prima absoluta.
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