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é mesmo tão bom como se diz por aí.
Para as estrelas ou o cinema como reflexo de um falhanço.
Há 4 meses começou assim:
- Perante Ad Astra, o mais recente filme de James Gray, corre-se um sério risco: permitir que a voluptuosidade do olhar interior que o filme convoca se deixe abater pelo aparente paradoxo científico. Anos de vício científico e sonhos por cumprir -
Ao terceiro visionamento, no remanso do lar, pouco mudou... Não é bem assim. Acentuou-se a sensação de perda. O risco que antes se corria é agora visão que ressoa – e volta a inquietar. Ver um filme em casa é um processo dado a inequívocas intimidades e a análises concêntricas. Paramos, voltamos atrás, vemos de novo aquele momento que na sala de cinema havia passado veloz, perdido na obscuridade. Nada a fazer... De comando na mão tal encolher de ombros deixa de ser possível. Seria sobreviver (resistir) na idiotice consciente. O único mistério é o do filme no agora espectador solitário.
Ad Astra é um filme enigmático. Talvez estranho seja melhor expressão.
2001 e Interstellar assemelham-se, mas, por assim dizer, vestem muito melhor. Dão-nos o infinito com uma seriedade científica que recebemos como intocável. Ad Astra não, e desde muito cedo; acto que, de resto, parece voluntário. Contradições e saltos lógicos selectivos encontram-se com facilidade. Como se expô-los sem subtileza fosse algo irresistível, espécie de comportamento travesso por parte de um homem pouco sociável que sabemos muito inteligente. Nada de inesperado quando se conhece tal tipo de homens…
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O Cinema, arte naturalmente tecnológica, vive na tentação de abraçar o efeito tecnológico, arte que se pensa imune em relação aos limites que a tecnologia impõe sempre que esta provém da sua base natural, a magnânima Ciência. Pequenas corrupções aceitáveis entre amigos – ouve-se do fundo do túnel onde repousa expectante a Ficção Científica. A calma antes da tempestade. Quando a Ciência obriga o investigador a parar, o Cinema encolhe os ombros e avança. A quantidade de combustível ou o tempo necessários para cobrir certas distâncias, a adequação do organismo para certas velocidades, a ausência de gravidade e os seus efeitos na massa muscular e estrutura óssea, micropartículas, radiação, nada disto importa para o Cinema (sendo que os filmes não são todos iguais na abordagem) – e também não importam em Ad Astra, que os vai esquecendo durante os vários caminhos percorridos, sempre de modo selectivo. O fabuloso uso da fraca gravidade lunar na sequência da perseguição na superfície lunar em contraponto com o que ocorre dentro da base, onde esta força de modo nenhum se faz sentir reduzida a um sexto (na comparação com o valor na superfície da Terra – 1g).
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O sonho da viagem espacial, bem-vivo e com ares de natural, par a par com a sua implausibilidade. Colocando-se num patamar acima da lógica. Enfim, para uma espécie que fez da viagem o seu modus operandi evolutivo, finalmente a viagem impossível, pois é do corpo tanto quanto da imaginação. Viagem aos confins do que vamos conhecendo por observação indirecta, do que sabemos existir, mas cujo destino, quando medido em estrelas, sistemas estelares e galáxias, se encontrará sempre fora dos nossos limites. Por definição, todos os lugares são remotos no Universo. Mas existem, estão lá. Ou seja, não é simplesmente uma viagem da imaginação.
O Cinema, que aparentemente elimina esse espaço por percorrer, nada mais faz do que mostrar a distância incomensurável. Expõe o falhanço, e tanto mais porque mostra o que nos está vedado.
Quem vai, quando vai, não é necessariamente uma extensão de nós próprios, um eu por vir, mas uma estátua que devolve olhares e sensações humanas - e, no entanto, sabemos que reluz por ser de gelo (sim, aos 54 anos Brad Pitt permanece a mais bela estátua com aspecto humano).
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Mas não é só. Vejamos –
Roy procura o seu pai. Para isso, tem de passar por Marte e enviar uma mensagem para os confins do Sistema Solar, algures na órbita de Neptuno para ser exacto. Porquê uma mensagem enviada de Marte e não da Terra? – Em teoria não faz diferença. É-nos mencionado que é o único local que mantém intactas as possibilidades de comunicação. Ok, porque não!? Uma vez no planeta vermelho (onde chega em míseros 20 dias – porque não!?), envia a mensagem e aparentemente espera por uma resposta imediata, uma vez que a montagem não indica nenhuma elipse temporal. E essa é uma barreira que já não podemos transpor. Qualquer mensagem de Marte para Neptuno com resposta incluída, e falamos de uma distância de pelo menos 4.300 milhões de quilómetros nos dois sentidos à velocidade da luz, demora qualquer coisa como 2 vezes 4 horas – é o mínimo possível, que fique claro.
Por outro lado, o que vimos nesse período, um minuto, se tanto, em que Roy aguarda? Tão só o rosto perfeito do que tem de prodigioso a expressão humana: o eco de uma memória afectiva, a expressão do amor de um filho por um pai desaparecido há décadas. Plano demorado, movimento ténue em harmonia com a emoção do instante, que não pode, objectivamente, esperar 8 horas; nem sequer 8 minutos. O cinema não espera, obtém. Não é vida, é algo muito maior.
No caso: como não usa truques de montagem para que possamos inferir uma dilatação do tempo, oferece (deixa cair) a verdade científica, sacrificando-se pela beleza de um momento sem quebras.
Aliás, sobre o que é racional, Ad Astra tem alguma coisa a dizer –
Os babuínos encontram a lógica no caminho para o raciocínio abstracto, eventualmente uma dádiva dos seus deuses mais próximos, o sapiens, e transformam-na em raiva. Alguém já lhes ocupa o lugar, pois só pode haver um rei no reino da razão. A experiência tem resultados desastrosos.
O pai de Roy, na sua busca vida inteligente, procura a diferenciação, um salto na evolução. Vê para lá do bem e do mal, só que nada encontra, a resposta é o silêncio. Vazio que não suporta, pois apenas lhe deixa uma porta aberta, a que o enviará de volta para a Humanidade. Sonha-se diferente e reage como os babuínos.
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Eis portanto um filme que nos trás de volta para a Terra, que fala do regresso do humano a si próprio, e que deixa claro ser essa a sua única redenção.
Mais: um filme de atmosfera pessimista que nos quer devolver a nós próprios. Um filme tecnológico que chega a um impasse técnico. Um filme sobre um desígnio de grandeza que em termos de espaço afunila em vez de se expandir.
Ainda mais: um filme sobre o olhar inocente que anseia por espreitar, o olhar de uma criança que não pôde sê-lo o tempo suficiente. E que não transforma essa perda em fúria, mas em amor. Que transforma a queda em voo impossível. Lá está, como nas histórias para crianças.
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Corolário: se um certo Cinema apenas pode aspirar ao falhanço, então que este seja esplendoroso.
Não sei - (E excusam de perguntar ao bom do David, 74 aninhos acabados de fazer)
Sei que se apaixonou pela bela penugem da hipnotizante Toototabon.
Só mesmo David Lynch para me fazer sentir assim,... encurralado nos meus pesadelos, tão Jack, tão próximo do macaco.
Com os cumprimentos da Netflix.
Não sei nem quero saber de onde vem uma canção assim - é demasiado assustador...
Sei que não vem deste mundo.
Como é que eles sabiam onde isto ia parar? Meninos tão novinhos...
Em 2020:
50 anos depois da morte de Janis.
40 anos depois da lança espetada mais fundo no coração da América (obviamente, Heaven's Gate), pelos olhos de Kris Kristofferson.
É por estas e por outras que podemos afirmar sem reservas:
Nick Drake Vive !
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