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Risco e pesadelo por igual, e também algum intimismo, como convém:
Once Upon a Time... in Hollywood, Quentin Tarantino
Ad Astra, James Gray
Joker, Todd Phillips
High Life, Claire Denis
Midsommar, Ari Aster
The Irishman, Martin Scorsese
John McEnroe - No Império da Perfeição, Julien Faraut
Us, Jordan Peele
The House That Jack Built, Lars Von Trier
Climax, Gaspar Noé
Un Couteau Dans Le Coeur, Yann Gonzalez
The Beach Bum, Harmony Korine
Dolor y Gloria, Pedro Almodóvar
Retrato de Alexandre O'Neill:
Auto-retrato:
Crentes ou não, nada nos prepara para um filme como God Told Me To, do hoje esquecido Larry Cohen. Filme que se dobra e desdobra sobre conceitos adquiridos e outros intuídos que, acreditem, ninguém ousou agregar deste modo.
Deus enlouqueceu – concebeu um mensageiro, deu-lhe corpo e função e, na sequência, determinou uma forma de expressão: o homicídio indiscriminado.
O deus criador sonhou-se omnipotente, semeou a existência e depois, enfim, não muito depois, fartou-se da sua criação – uma entre muitas, ao que se supõe. Então, ao tédio sobrepôs-se a fúria. Tenta livrar-se dela desde essa noite dos tempos; é um deus resiliente, e compensa com paciência a falta do poder integral (perfeição é a única palavra que o pode definir, e não cabe em lugar algum do Universo), mas a dita criação, agora espécie, dada a sua condição viral, resiste. Curiosamente resiste para lá da sua especificidade – isto em relação ao seu meio-ambiente, claro está. Resiste mesmo sem saber que resiste, sem estabelecer uma ligação racional com o acto de defesa. O autodenominado sapiens resiste, não apenas porque pensa em termos abstractos e, por essa razão, vê para lá de si próprio, mas porque há no seu modelo uma resistência inerente, uma defesa inexprimível e levada ao ínfimo do dever orgânico (a implacável função do gene, afinal). Por outras palavras, resiste até na ignorância. Ora, uma resistência não calculada reverte inevitavelmente na perplexidade (inicial) e – sobretudo quando o ataque vem de um criador que junta habilidade e cinismo, i.e., a frustração de um poder paredes-meias com o absoluto, mas com a porta de acesso trancada – no caos (o duplo movimento: causa – efeito). Para esse criador, mais do que um falhanço, o sapiens é um falhanço que se recusa a desaparecer. Então, porque não transformá-lo noutra coisa qualquer? E pelo caminho, o gostinho especial de tornar física a escravidão moral da religião para os que restem, enquanto a espécie for evoluindo, no sonho de ficar mais próxima do seu criador?
Moisés levou o povo eleito (a metáfora possível) para a um lugar seguro, Jesus deixou-se morrer. Ambos foram tentativas falhadas do criador. Demasiado humanos – esqueceram as suas alianças mais profundas, criaram empatia com a espécie que os viu crescer e não com a entidade que os fez diferentes, enviados especiais. Separados por demasiado tempo, talvez. Removidos pela raiz. Rebeldia supra-humana, esta, tão distinta e cuja essência sempre tivemos dificuldade em compreender (mais uma vez, a metáfora possível).
Hoje (tempo moderno – simbólico) as crenças a larga escala já estão praticamente todas ocupadas, não há magotes disponíveis para novas certezas transcendentes feitas lei ecuménica. Um deus criador, não tendo conseguido passar a mensagem, tendo-se dispersado, cada vez mais pedra e menos coração, já não vai lá pela palavra. Resta-lhe, portanto, o caos, pois daí chega ao medo. Uma espécie perplexa e assustada torna-se incapaz de aceitar a solidão da individualidade, que pesa toneladas; todos muito juntinhos e acantonados a partir de agora, entretidos (uns mais que outros) com o mal que os transcende enquanto tentam resolver o mistério mais recente. Um porquê apesar de tudo operacional, com o outro, o que transcende, perdido nas linhas inóspitas, no absoluto do livros-dos-livros (cada um com o seu na cabeceira). Nada de novo, apenas levado a um ponto mais próximo do extremo.
O nosso herói – redentor imponderável e com rosto demasiado característico para parecer herói – sofre, tal como outros antes dele, de excesso de humanidade; mas desta vez nada foi transmitido superiormente, pelo que pouco o distingue dos seus semelhantes. É mais um a viver na perturbação contínua. Imerso no mistério prático (ainda para mais é um agente da autoridade), pendente da crença no divino e, sorte malvada, perdido nos lapsos de uma memória descontínua.
Todavia, se o percurso intermédio é o de qualquer um, o destino é o mesmo do seu antecessor mais famoso. O sacrifício pela salvação dos pobres de espírito. Só que sem direito a recompensa, ao imberbe reconhecimento do divino nele pelos pares redimidos, salvos por agora. Os tempos que vive, que vivemos, científicos e desoladores por igual, a isso levam. O sapiens não está mais próximo da iluminação, mas, quem sabe, talvez esteja mais próximo do que lhe resta de verdade. Enfim, a sua existência também na dor – para que conste, o que determinou o fim do mensageiro da mudança, o enviado menos humano de todos, foi precisamente não compreender o quanto de dor a vida também necessariamente contém; viveu e liderou excessivamente encostado ao limite, julgando-se fora da sua abrangência, por assim dizer; exibir com insistência poderes vedados aos outros fez dele um comandante incontestado e temido, um administrador de sofrimento e morte com aura de intocável, porém essa distanciação não lhe permitiu ver o óbvio em si senão quando já era tarde demais: era hipersensível à dor – o contacto não controlado com o outro era possível, e também a sua fraqueza... A sua perplexidade exposta.
Eis um filme sobre a imanência do imperfeito; posicionamento destemido do autor/realizador, dado o tema, propenso a temores e rejeições desde que a palavra se fez escrita, e que por uma vez é levado às últimas consequências. Era a isto, suponho, que se referia Scorsese quando ligava de modo preciso as palavras risco e cinema no artigo recentemente publicado no The New York Times.
Virginia Woolf, To The Lighthouse
“What is the meaning of life? That was all - a simple question; one that tended to close in on one with years, the great revelation had never come. The great revelation perhaps never did come. Instead, there were little daily miracles, illuminations, matches struck unexpectedly in the dark; here was one.”
“For now she need not think of anybody. She could be herself, by herself. And that was what now she often felt the need of - to think; well not even to think. To be silent; to be alone. All the being and the doing, expansive, glittering, vocal, evaporated; and one shrunk, with a sense of solemnity, to being oneself, a wedge-shaped core of darkness, something invisible to others... and this self having shed its attachments was free for the strangest adventures.”
“So fine was the morning except for a streak of wind here and there that the sea and sky looked all one fabric, as if sails were stuck high up in the sky, or the clouds had dropped down into the sea.”
“She had known happiness, exquisite happiness, intense happiness, and it silvered the rough waves a little more brightly, as daylight faded, and the blue went out of the sea and it rolled in waves of pure lemon which curved and swelled and broke upon the beach and the ecstasy burst in her eyes and waves of pure delight raced over the floor of her mind and she felt, It is enough! It is enough!”
The Coming Of The Mule
The Black Tower
Sim, houve um tempo anterior a este em que os géneros se interligavam acorde a acorde, palavra a palavra - o que tornava impossível a sua síntese. Foi o tempo da viagem ao fantástico... A canção era o veículo perfeito.
Bloody Mama (1970)
Mean Streets (1973)
The Deer Hunter (1978)
Cape Fear (1991)
The Irishman (1944 - 1998 ?) , do ponto de vista de 2019
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