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Pelos padrões de 2019, o nome infame de Ronald Reagan leva, apesar de tudo, a memória colectiva para uma época de normalidade (talvez regularidade seja melhor palavra). Mas centremo-nos na infâmia: esta não remete exclusivamente para os anos subsequentes a 1980, quando foi eleito Presidente dos EUA (a forma como a sua Administração reagiu ao problema da SIDA teve mais a ver com a frágil mundivisão do próprio e da sua inefável companheira do que com as necessidades de uma comunidade, que desprezavam, o que redundou em tempo perdido e terá custado umas dezenas de milhares de vidas; não esquecendo o caso Iran-Contra, que só por milagre, i.e., por outras palavras, um jeitinho de um subalterno, não lhe custou o posto), mas também para o final dos anos 60, quando defendeu com unhas e dentes o recrutamento em força na Califórnia, da qual era Governador (não, não foi Schwarzenegger o primeiro actor com parcos recursos dramáticos a ocupar o lugar – sendo que, felizmente, pouco mais os aproxima).

Enviar jovens de 20 anos com poucos meios económicos para o inferno do Vietname tornou-se numa missão, que curiosamente não iria prosseguir enquanto Presidente (é do tempo de Reagan a implementação definitiva da militarização profissional, depois de avanços e recuos nas décadas anteriores, ao sabor das guerras; mais cedo ou mais tarde, raciocínios eficazes percebem que não é preciso obrigar ninguém a fazer nada, basta acicatar os instintos certos de um certo tipo de homens).

Woodstock, 1969: Joan Baez subiu ao palco perto da uma da manhã, na madrugada de sexta para sábado, 16 de agosto, na companhia de Richard Festinger e Jeffrey Shurtleff (que a seguiu na voz); os três de guitarra em punho, como convinha ao tempo e ao modo. Uma das canções que então tocaram, He`s A Drug Store Truck Drivin` Man, foi dedicada com a dose certa de ironia cínica ao então futuro POTUS.

E que pena que tal momento de puro delírio, já com 50 anos, não possa ser visto em tempo real como espelho dos dias de hoje, enfim, como reflexo límpido (cintilante e sincero) através de uma ligação directa ao presente de Donald Trump.

Mais uma razão para a existência física de Buracos de Verme. Dentro de 2.500.000 anos alguns estarão cá para ver… E já não importará, pois nesse tempo já o timing ou o mundo se perderam.

-
"He's a drug store truck drivin' man
He's the head of the Ku Klux Klan
When summer comes rolling around
We'll be lucky to get out of town

He's been like a father to me
He's like the only DJ you can hear after three
And I'm an all night singer in a country band
And if he don't like me, he don't understand
....
 
He's got him a house on the hill
And he can play country records till you've had your fill
He's a lawmans' friend, he's an all night DJ
Sure don't think much like the records he plays
....
 
He don't like resistance I know
And he said it last night on a big TV show
And he's got him a medal he won in the war
It weighs five hundred pounds and it sleeps by the door"
 

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publicado às 11:14


Mal posso esperar!

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publicado às 14:38

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publicado às 16:09

Shirley Jackson

por slade, em 27.08.19

shirley-jacksonjpg.jpg

Eis o primeiro parágrafo de We Have Always Lived in the Castle, a última novela (na verdade, o último escrito publicado em vida) de Shirley Jackson:

"My name is Mary Katherine Blackwood. I am eighteen years old, and I live with my sister Constance. I have often thought that with any luck at all, I could have been born a werewolf, because the two middle fingers on both my hands are the same length, but I have had to be content with what I had. I dislike washing myself, and dogs, and noise. I like my sister Constance, and Richard Plantagenet, and Amanita phalloides, the death-cup mushroom. Everyone else in our family is dead."

Se o caro leitor consegue passar por estas palavras sem sentir um estremecimento [que não se distingue do frio da morte – figurado, enérgico, real (?) –, que começa no estômago, pleno de frescura, passa para a medula espinhal, e então o frescor torna-se sussurro (assombrosa migração), até que se aloja no cerebelo, sem denominação ou forma, com consequências devastadoras para a harmonia entre o físico e o mental (como caminhar, simplesmente caminhar, quando o peso do crânio supera o do resto do corpo numa razão de três para um?; não importa se apenas sensação, pois, como de resto se deixou no ar, uma vez o sistema invadido, já pouco importam os limites constitutivos)], então há uma forte probabilidade de não passar de um espectro, a ilusão de um ser senciente.

Invejo-o e desprezo-o. Não de igual modo, desprezo-o um pouco mais. Não experimenta, logo não vai descobrir.        

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publicado às 15:14

Não foram os primeiros a fazê-lo, a misturar performance pop com as agruras da obra conceptual, mas nunca essa dimensão do espectáculo havia sido encenada em disco tão nos limites do gosto vigente e de forma tão, como dizer,… promíscua. Simbologia, claro está, de uma profunda rebeldia. Sistema anti-sistema de recolha e reciclagem (talvez, se nos é permitido ir por tal caminho, e agora pleno de pujança e actualidade e saudável exagero, possa ser visto como um equivalente do cinema de Tarantino na criação musical pop).  

35 depois ainda não soa datado, e sim, isso sim, continua a parecer estranho.

Não deixou descendentes que se notem e foi sol de pouca dura, como se diz por aí.

Certo dia cumpriram o seu desígnio, i.e., foram parar a Hollywood, via Brian De Palma (no filme Body Double, 1984), mas por essas alturas De Palma já não era nome que se recomendasse. Pelo menos, quando era exclusivamente De Palma - uma vez que foi (ainda é?) homem de muitas caras. E, lá está, triste sina, foi num desses momentos que o apanharam.    

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publicado às 12:25

Once Upon A Time...

por slade, em 23.08.19

Por fábulas, eis a imagem (enfim, uma das imagens possíveis) e a projecção de uma já com mais de 20 anos - que agora, por influência do Mestre Quentin, razões invertidas (todos) temos quantas bastem, não me sai da cabeça.

velvet.jpg 

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publicado às 11:22

Portishead - Dummy

por slade, em 22.08.19

25 anos depois...

Não inventou a roda, mas, por princípio, digo que sim. Em bom rigor, os Massive Attack, com Blue Lines, já haviam aberto as hostilidades 3 anos antes, contudo para mim (dono e senhor de um gosto único, que na intimidade torno total) foi aqui que começou.

Sempre preferi o desencanto à intervenção, e Dummy é o mais belo álbum triste da minha entrada na idade adulta (onde entrei bastante tarde, diga-se de passagem).

Isto junto com The Bends, dos Radiohead, que não tem nada a ver. 

Falo de trip hop, é claro.

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publicado às 11:37

Era Uma Vez… Em Hollywood

por slade, em 21.08.19

once.jpg

1969 (sonhado) pelos olhos adentro de 2019 (vivido)? Sim, como queiram,… mas também funciona permutando as correlações.

Tarantino, como todos os grandes, não pode deixar de fazer constantemente o mesmo filme. Nessa perspectiva, vive do amor pelo cinema (meio onde se construiu sem ajudas académicas – nunca estudou cinema, senão na sua sala-de-estar; pois em frente ao ecrã grande sonha-se, não se estuda) e expressa-se pela provocação, mormente por via da extrema violência (que estiliza com os requintes de malvadez de um demiurgo de dentes aguçados). Ímpeto visceral que obviamente não é tudo: afinal, provocar é muito mais do que chocar.

Era Uma Vez …Em Hollywood, a nona vez em que Quentin é Tarantino, e digamo-lo claramente, é a sua mais brilhante criação até à data. O filme é tão bom, aliás, que apetece que seja o último. Mais, é necessário que não volte a fazer outro. Algo que soa a heresia, mas que antes pretende ser a maior das homenagens. O reconhecimento do Mestre, olhando de baixo para cima para quem se instalou perene e decisivamente no topo da montanha.

Sem amarras políticas determinantes, como as de Inglorious Basterds (não podem restar dúvidas de que lado estão os nazis; é simples, estão no outro lado) ou as de Django Unchained (a escravatura, ou melhor, o pecado original da América, nação multicultural que assentou parte das fundações no racismo absoluto; a ideia de poder legalmente possuir um ser humano institucionaliza o conceito, obriga a classificar o imperdoável, enfim, leva vai mais longe o raciocínio), pode finalmente trabalhar a provocação como lhe apetece, sem restrições. Unicamente dentro da liberdade do cinema, por assim dizer.

E como faz o que quer sem reservas, surgem os esperados problemas, só que agora, sem o álibi do grande tema (escravatura, nazismo), enorme peso até para um Mestre, a polémica instala-se em torno do fútil, aumentando, assim o cremos, os níveis de gozo. Já não importa o uso e abuso da palavra maldita ou a visão do judeu como um indomesticado vingativo, temas sensíveis e digamos que justos, mas sim o prosaico: a arrogância de Bruce Lee ou o pouco tempo de ecrã de Margot Robbie quando comparado com o do par DiCaprio/Pitt, por exemplo.

Enquanto se faz caminho, pois a coisa tem de ir por algum lado, o filme flui na sua dimensão própria, imune a olhares hirtos e, como tal, a leituras literais. Se há cineasta que entende o potencial (onírico) do cinema como elemento maior de correspondência (relativa) com a realidade é Tarantino, que se ergueu / estruturou / construiu, como sabemos, acima de tudo enquanto espectador. Sabe os sonhos que tinha antes de começar a escalar a montanha, do mesmo modo que não lhe escapam as pequenas e grandes ironias do estrelato (dupla perspectiva – fantasmagoria e facto – i.e., antes e depois de). A partir daqui, o talento superlativo não pode esquecer as duas virtudes (por efeito de projecção) que o consomem, feitiço e desencanto em partes semelhantes, e como tal num equilíbrio ténue, sendo que a representação do feitiço é o fascínio pelo que é pop, e a representação do desencanto é o posicionamento político. E aqui convém referir que a magia do cinema de Tarantino assenta, precisamente, na indivisibilidade entre ambas as virtudes; a forma como reúne, recicla e consolida de modo a, como alguém disse, criar algo de completamente novo, partindo, lá está, de elementos e conceitos que não o são de todo. É todo um potencial divino que está em causa, de imersão na realidade proto-fantasiosa – instantâneo em que o momento vivido se confunde com o momento sonhado, a era do cinema + a representação da época actual, ou seja, desde o momento de transição do modernismo para o pós-modernismo –, e que se fortalecerá se for suficientemente cool e se tornar abrangente. Daí a importância dos diálogos, a escolha de canções – criteriosa, apesar de na aparência casual – e a força dos quadros nas suas sequências. Sem a componente do sucesso, do imediato, quer a ironia, quer a sua irmã mais nova, a provocação, perdem-se no mais temível dos lugares (para quem se posiciona desta forma), no esquecimento. Talvez a razão por que Tarantino nunca rejeita a polémica, nela intervindo sempre que pode, mesmo se lhe escapam (porque têm de escapar) razões dignas do seu talento. Vide a sua resposta à polémica em torno de Bruce Lee.

Em síntese, afirmo que ambiguidade é o termo chave nos filmes de Tarantino, não de per si, mas como trilho, a sua aceitação como única hipótese de caminho a percorrer.

É por nos perdermos nas suas duplicidades que experimentamos o verdadeiro fascínio do seu cinema. Sim, os fucking hippie motherfuckers, são metafórica e literalmente esmagados ao longo do filme, mas haverá algo que apele mais à essência inocente projectada pelo flower power do que a personagem Sharon Tate? E que dizer sobre o plano-sequência aéreo, leve, quimérico, quando Rick, abertos os portões, é finalmente apresentado a Sharon – o desejo de pertença de Rick àquele círculo como condição intrínseca –, vê-lo a encolher os braços, inflexão envergonhada e ardente, finalmente no Olimpo? Ele que chora como um bebé. Que até um bom actor (ou será que a miúda, que denota saber mais a dormir do que Rick acordado, estava a gozar o prato? Ou pior, piedade?). Isto com o amigo, o que faz e não representa, o faz tudo, a caminho do hospital de faca espetada no lombo, a partir dali ao pé-coxinho e nunca mais one of the most dangerous men alive. Alguém que nunca teve uma verdadeira oportunidade, e que, ainda assim, aparenta ser o único character verdadeiramente resolvido em todo o filme.

Vale a pena tentar descodificar, é inútil ostentar o recém-descoberto mapa do tesouro aos amigos. O sorriso que inevitavelmente apresentariam seria o sorriso dos tolos. O jogo da duplicidade, nestes filmes, é também o jogo do desconforto (cruel, bem sei, por nos ser oferecido num embrulho tão apetecível), o jogo que todos os Mestres, de uma forma ou outra, sempre jogaram connosco, os ditos espectadores ideais (expressão feliz tal como foi cunhada por Umberto eco). Jogo que não nos permite encostar a cabeça no travesseiro com a sensação de missão cumprida. Jogo que força, imagine-se, o aparecimento do espírito crítico no ‘espectador ideal’, alérgico a ‘leituras literais’, naturalmente desconfiado perante fórmulas evidentes (especialmente se redentoras).

E como Tarantino nunca o tinha feito tão bem e tão livremente, assumimos que terá atingido o seu Objectivo (assim, em maiúscula), pelo que em bom rigor não precisamos de mais nenhum filme seu. A partir daqui resta-nos contemplar a sua essência demiúrgica no topo da tal montanha. Sabendo-o vivo e de boa saúde, claro está, disponível para realizar um filme da saga Star Trek pleno de escapismo violento, que, assim se espera, nunca chegará a dirigir.     

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publicado às 12:16

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XXX

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publicado às 10:32

A normalidade merece celebração?

por slade, em 20.08.19

https://expresso.pt/internacional/2019-08-20-Evelyn-violada-e-acusada-de-aborto-depois-de-perder-o-bebe-foi-absolvida-em-novo-julgamento.-Tinha-sido-condenada-a-30-anos-de-prisao

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“Graças a Deus, justiça foi feita”, desabafou Hernández, emocionada, depois do julgamento. Em julho de 2017, Evelyn foi condenada a 30 anos de prisão por suposto aborto. Procuradores queriam 40"

Evelyn foi violada, engravidou e, oito meses mais tarde, perdeu o filho. As autoridades de El Salvador, um país conservador e católico, investigaram a jovem por um suposto aborto. O caso chegou à justiça: o Tribunal ditou, em julho de 2017, uma pena de 360 meses por homicídio. Ou seja, 30 anos. Os procuradores pediam 40.

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Sim, mas só em casos extremos, como este.

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publicado às 14:43

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