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Um tribunal suíço, pelos vistos bem menos articulado e versátil do que um canivete, reverteu uma decisão anterior, e Caster Semenya foi devolvida à terra de ninguém onde a colocaram há meses atrás, numa das decisões mais ordinárias (no sentido de javardas) que se recordam.

Recapitulemos: Caster Semenya, atleta sul-africana, ao que consta nasceu com órgãos sexuais femininos externos, mas também com masculinos no seu interior. Criada muito naturalmente como mulher, tornou-se numa das atletas mais brilhantes de todos os tempos. Um problema: ganhava facilmente.

Certo dia, perante a polémica entretanto levantada pela sua condição, a IAAF (Federação Internacional de Atletismo) decidiu que para poder competir tinha de começar um tratamento de hormonas femininas. Uau!, decisão fabulosa e magnânima – não, não seria morta num campo de concentração, nem sequer impedida de competir, desde que finalmente aceitasse a sua condição anormal e…se tratasse. Certificada a cura, poderia então competir nos Mundiais que se aproximam. Depois, com as medalhas entretanto ganhas no pescoço, poderia ser exposta numa feira: “Eis a quase-mulher que um dia quis ser lenda das pistas. Cada vez mais mulher – uma injecção de feminilidade por dia dá saúde e alegria!

Filhos de uma grande puta!

Não há anormalidade no que é específico, apenas, e conforme determinação, especificidade. Especificidade que releva do seu passado, do que sempre foi, e do que o seu corpo mostra e lhe indica, mesmo se num qualquer limite físico. Enfim, sempre era mais honesto assumir que pessoas com essas características simplesmente não podem competir. Para ficar de fora, antes assim. Antes a recusa como princípio.

O que não se pode, nunca, é pedir a alguém que se transforme em algo que possa ser mais facilmente reconhecível para ser aceite. Num caso destes, não é o sujeito que se deve aproximar do sistema, e sim o sistema do sujeito - isto no que uma sociedade, enquanto modelo, tem de humanista. Apenas e tão só porque não pode ser de outra forma.

Caster Semenya já avisou que recusa os termos da sentença e que, assim sendo, não vai participar nos Mundiais.

Nem eu!

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publicado às 12:00

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Enquanto banda que fez - conseguiu fazer - da longevidade uma forma de estar, alternaram entre o bom e o muito bom durante 20 anos. Mas (sempre um mas, e este sabe maravilhosamente) houve um instante em que foram superlativos. Instante que equivale a um álbum: Different Class – corria ano de 1995, por essa razão um dos mais belos anos do senhor que está algures lá em cima. Não está, mas é como se estivesse.

Num primeiro momento (instruídos a não ler as letras enquanto escutamos as canções, logo a ouvir antes de compreender), somos levados a pensar em cenários líricos mais adequados aos finais do século XVIII do que à Sheffield em queda do período pós-Thatcher, de onde são originários e que nunca abandonaram. A batida é alegre e o ritmo é como que uma palpitação juvenil sedenta de cores fortes. Depois, o mistério adensa-se numa sequência que não é lógica, mas faz por ser pertinente (não sendo o inglês a nossa primeira língua, é a outra, a amante favorita): é possível que não fale de outra coisa que de pessoas simples e jovens cujos pais já perderam os sonhos (poucas cidades se assemelham tanto a um sonho que se esvaiu como Sheffield).

É possível, até, a um certo olhar, que estas sejam algumas das mais, como dizer,…pungentes canções que já ouvimos, sobre, como se viu, a mais desencantada das cidades.

Cenário dúbio, pois contradiz em absoluto o ritmo feérico que explode mais intenso a cada canção durante a primeira metade do disco.

A segunda metade do disco esclarece: é uma carta de amor a Sheffield da única forma possível de expressar amor por uma cidade como aquela. Com toda a honestidade, que a palavra só muito raramente é ambígua quando inserida num todo contínuo. Com o máximo de ritmo possível, estímulo de néon, teatro imune a horrores, que o sonho é indissociável do jovem, e este não se perde sem antes se entregar a todas as emoções à disposição.

"And I said let's all meet up in the year 2000

Won't it be strange when we're all fully grown

Be there 2 o'clock by the fountain down the road

I never knew that you'd get married

I would be living down here on my own

On that damp and lonely Thursday years ago

Do it

Oh yeah

Oh yeah"

O cérebro que controla é um tal de Jarvis Cocker - cujo binómio imagem+atitude não podia ser melhor metáfora de tudo o que se disse antes.

E esta, por incrível que pareça, ficou de fora (lado B de Disco 2000):

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publicado às 15:54

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William Blake – Songs of Innocence:

A Cradle Song

‘Sweet dreams, form a shade

O’er my lovely infant’s head

Sweet dreams of pleasant streams

By happy, silent, moony beams.

Sweet smiles, in the night

Hover over my delight;

Sweet smiles, mother’s smiles,

All the livelong night beguiles.

…’

-

Todas as épocas têm momentos que as definem. E quanto ao século XXI, o ainda jovem século das Redes Sociais, enfim, todos os instantes são ou sonham-se relevantes. Contudo, por uma questão de ordenação, digamos que houve quatro que prevalecem sobre todos os outros (América, América…): o 11 de Setembro, a crise de 2008, e as eleições de Obama e Trump.

De acordo - Sendo que a eleição de Trump é, com toda a probabilidade, aquele que mais pode influir nas condições de vida futuras.

Nesse dia de profundo desespero, a expressão que primeiro ecoou na minha pobre e estarrecida mente, e que em seguida desceu ao cerebelo fazendo-me cair para trás – por outras palavras, quando a visão do futuro se tornou no inferno do real; privilégio do sapiens sapiens que, por conseguir fazer assim, se distancia de si próprio, distanciando-se ao mesmo tempo da Natureza –, foi ‘crime contra a humanidade’. Expressão que nunca abandonei e que nunca me abandonou, apesar de alguns avisos e outras tantas adversativas. Afinal, tenho bons amigos. Os melhores que alguém pode ter.

Vamos lá, haverá alguém capaz de negar que o crime Nazi começou com as duas eleições parlamentares sucessivas que o partido de Hitler ganhou livremente (a terceira e quarta já não contam como livres)? Não, e não porque ele limitou-se a fazer tudo o que antes ameaçava. Então, porque há-de ser diferente com o infantiloide platinado? Fartou-se de prometer, e valha a verdade que tudo tem feito para cumprir. Tanto num caso como noutro, se algo de sincero sobressai da miséria moral e espiritual que representam /representaram, é que a única verdade que proferiram foi precisamente a verdade da sua moral. Não há um único votante, valor absoluto zero, que possa dizer que escolheu em ambos os casos com base num logro.

Mas que crime é este? Pode alguém ser pronunciado culpado por ter votado livremente – apenas porque optou por um em prol de outro(s)? Digamos que não, que evidentemente não pode. E digamos que sim, que é culpado de um crime, assumindo os riscos colossais dessa tomada de posição.

É um crime peculiar, único em certo sentido, e deve ser tratado em todas as circunstâncias como tal. Crime em que a culpa é difusa e que, se olhada em sentido estrito, vive paredes-meias com o delito de opinião, o que é viver perigosamente. Por conseguinte, quem o cometeu não poderá jamais ser levado a tribunal. Tendo votado livremente, também votou secretamente, pelo que, assuma ou não o sentido do seu voto após a eleição, não pode de modo algum ser citado criminal, e/ou, no limite, socialmente, pelo seu acto. Logo, para evitar imoderações, os media, e em especial a televisão, devem abster-se de se referir a esse crime como crime. Melhor, que o ignorem e deixem esse trabalho para o cidadão-comum (que não deve, em nenhuma ocasião, ser confundido com o seu complemento mítico, o cidadão-modelo; aquele que, entre outros, ajuda a eleger e a manter tipos como Hitler e Trump).

O cidadão-comum, no auge do desconforto perante si próprio (ser-reflexo que antes apenas entrevia de relance e agora vê num máximo de nitidez, inevitavelmente como incompleto), tenta perceber o que aconteceu e não compreende. Percebe a necessidade de ter mais informação, dá os primeiros passos, simplesmente metendo a mão no bolso e retirando o telemóvel. Então toca com ligeireza numas quantas teclas e…embate numa parede intransponível chamada social media. Estranha impressão: dois extremos que se afastam irremediavelmente, energia escura que ainda não compreende, constante cosmológica que intui sem lhe dar designação: ou opiniões que o repugnam absolutamente, ou beijos dados por estranhos na sua fronte que o deixam visivelmente incomodado.

Quer mais, quer desassossego, e certo dia, ao passar por uma das duas livrarias que restam na grande cidade, vê um título longo na montra que mais não é do que o seu recente anseio tornado evento táctil: O Livro do Desassossego / Composto por Bernardo Soares / Ajudante de Guarda-Livros na Cidade de Lisboa. É o início de um caminho movediço que passa por todo o lado, até pelas regiões fronteiras das profundezas inatingíveis.

Desse livro, surgem outros, e depois outros, até que percebe a dimensão do crime cometido naquela já longínqua eleição. Três anos que parecem trinta. Crime que então vai denunciar no que tem de concreto, houve uma eleição ganha por um demente em circunstâncias extraordinárias, resumindo a culpa num ‘não pode voltar a acontecer’ que acaba por ilibar o cidadão-modelo, na expectativa séria de lhe devolver o sentido de responsabilidade. Ou pelo menos a esperança num Futuro melhor, pois acreditar também é apanágio do sapiens sapiens. Esperança que também é sua, certas manhãs mais do que noutras perante o reflexo no espelho, isto é, que os outros, os que deveriam ter sido eleitos, tenham também aprendido a lição.      

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publicado às 12:27

Vale por uma vida...

por slade, em 25.07.19

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publicado às 10:19

I Won't Stand You Down Kevin Rowland

por slade, em 23.07.19

1982/1983 – Depois do extraordinário sucesso de Too-Rye-Ay, o segundo álbum de estúdio dos Dexy's Midnight Runners e também o título de Long Play mais selvagem e irredutível de que há memória, Kevin Rowland, the leader of the band, acreditou que aquele era o momento certo para dar a conhecer aos então numerosos fans o disco definitivo da banda, que acabaria por ser lançado em 1985: um tal de Don’t Stand Me Down.

[Banda que então já se confundia com o próprio – statement que encontra correspondência logo na primeira canção do director’s cut, relançamento de 2002, já sem nada a perder ou a temer.]

Todavia, como ocorre tantas vezes, os caminhos foram sinuosos.

Inúmeros problemas atrapalharam a produção do disco – Kevin R. tinha a fama (e o proveito – precisão útil) de ser alguém com quem era difícil trabalhar, dono e senhor de um perfeccionismo que aumentava tempo de gravação e respectivos custos sem expressão relevante nos resultados finais. Depois, as canções eram em geral mais longas e exigentes do que as dos dois discos anteriores, no que Kevin R. insistia, mais uma vez contra a vontade de quem o rodeava; uma boa parte com introduções faladas, ao que se seguem longos sussurros, insinuações e pensamentos súbitos, piscar de olhos ao stream of consciousness, e pontuadas por arranjos de repetição e corte. Por fim, e esta já custa mais a compreender, recusou lançar qualquer single que ajudasse a promover o disco.

O fracasso (que na música, como se sabe, se mede exclusivamente pelo número de discos vendidos, uma vez que não há espaço para cultos imediatos fora do grande centro totalitário que é o público) foi o passo seguinte mais lógico. Do qual, o bom do Kevin, geniozinho incompreendido, nunca mais recuperou. O superestrelato terá ficado aí pelo caminho.

Anos depois, já pouco importa. É mito. E do mito podemos dizer o que ninguém ousou à época: Don't Stand Me Down é provavelmente o melhor disco dos anos 80.

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publicado às 12:33

I Think We're Alone Now (2018)

por slade, em 19.07.19

Era uma vez o fim do mundo, e era acolhedor.

Limpo, incrivelmente limpo - pelo esforço de um, e depois de dois, os que restam. E assim, na aceitação de algumas regras, espíritos que não podiam ser mais díspares lá arranjam forma de coabitar.

Vivem na biblioteca municipal de uma cidade que outrora teve 5.000 habitantes a mais.

Sempre rodeados de livros.

E livres de Trump.

Até que...

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publicado às 12:09

Crucify Your Mind

Sixto Rodriguez

-

Vírus, com toda a certeza, e crucificação. Acção cega e voluntariosa, digamos. O ser humano é frágil, crê e descrê segundo factores não lineares. Sim, há uma tendência em cada um de nós, para o percebermos basta girar o olhar em torno de um eixo fixo pelos contáveis 360º, o que inclui espelhos e respectivos reflexos, contudo o alimento é extrínseco. O corpo medra devido a nutrientes que recolhe do meio em volta, tal como a mente. Com uma diferença: a mente pode retrair mesmo recebendo alimento, o corpo não. Dissemelhança que impede um jogo com regras claras. Dois filhos educados por racistas tendem a tornar-se racistas, mas ninguém o pode garantir. Se há coisa que o bom filho gosta é de refutar os argumentos do pai. (Quer dizer – nem que seja por espírito de contradição.) Ou então, que se goze o efeito poético do puro…gozo, porque encontra no exterior o Mestre por que tanto ambiciona, e, por fim, lhe dá a conhecer o Monstro que tem em casa. Afinal, ainda que chegue lá por caminhos ínvios, não nos dizem ser essa uma das sumas-aspirações do macho-alfa (já que, nascido e crescido, não pode, em absoluto, regressar ao ponto de partida, i.e., à mamã que imperdoavelmente voltou a pertencer ao papá)?

Quanto a Trump, identificado e isolado o vírus por mentes bem mais excitantes, deixaram abrir o frasco que o continha, libertando-o numa atmosfera ansiosa e densa – onde o ar pesado se mescla com a vontade. Edipiano até à medula

[O excesso de Pai e a carência de afecto materno são notórios, basta observar o seu comportamento primário: os sentimentos subjugados, substituídos pelo apelo do poder e da violência (verbal – pois como todos os tipos estruturalmente inseguros teme a violência física, e para o provar veja-se o que usou como justificação para escapar à guerra do Vietname: daddy, daddyplease), e que por esse motivo, como é uma conduta que só se valida se se dirigir a outros, manifesta-se a todo o instante na sua dimensão mais básica e espectacular. A televisão e o Twitter são, é evidente, o sonho molhado que o mantém desperto na noite escura.],

não passa de um Dr. Ciclope infantiloide a quem deram o bastão do poder máximo. Talvez o maior crime contra a Humanidade dos tempos modernos cometido por seres supostamente livres desde a eleição de Hitler, em 1933. Sendo que quem cometeu o crime não é verdadeiramente culpado (pois, por agora, tem estatuto de inimputável) – Se quisermos ser optimistas, enquanto certas condições se mantiverem na sociedade americana.

Sejamos claros, não é possível criar e sustentar um modelo económico como o americano sem ter como âncora o Medo. Medo que se focaliza no Outro, com algumas necessárias variantes conforme o caso. Isto numa sociedade relativamente recente, construída entre múltiplos termos. Não é possível estabelecer o individualismo como costume numa sociedade que é, por definição, uma mescla de culturas, no meio do pânico generalizado e de um capitalismo selvagem, sem que isso tenha consequências.

Como a América não pôde ou não conseguiu evitar pecados originais, verdadeiros dínamos geradores de enormes diferenças, e também porque, apesar da mescla de culturas, contém minorias, quando o americano médio, educado no modelo típico (da esquerda à direita, de cima a baixo), eleva o olhar vê necessariamente alguém com quem em algum momento terá de se confrontar. Não foi educado para ser impassível nem para pensar criticamente no bem maior que é o todo (que está confinado à bandeira e ao hino), para se importar com a sorte do ser humano a viver na porta do lado – O severíssimo modelo capitalista, que de modo abrangente professam, precisa dos testes de escolha múltipla que impõe aos seus jovens estudantes e do que eles representam, pois implicam optar de entre dois (ou vários) sem dizer porquê; e só assim, com um povo à mercê que se habituou a escolher sem que lhe pedissem que justificasse a escolha, pode a máquina publicitária entrar em campo e levar tudo a eito.

Em certa medida, é um processo de automutilação, mas que não é percebido dessa forma, porque endeusa o Eu pela via do consumo, dizendo a cada um que o mundo lhe pertence ou vai pertencer um dia e que é o único senhor do seu destino (tens dinheiro, compra, não tens, pede a tua parte do sonho ao banco, e se ainda assim não te dão o suficiente, sê ambicioso, trabalha muito e anseia pelo dia em que vais ter, pois esse é o teu direito natural). Crença que se aproxima perigosamente do fervor religioso. Como justificar por parte de tantos a viver na parte baixa da pirâmide social tão grande resistência a um sistema de saúde universal e participado pelo Estado, a não ser por essa razão. Enfim, e como as diferenças são abissais, não cabe assim tanto à maior parte, pelo que guardar com todas as forças o que se conquistou é parte crucial do processo.

Eis o momento em que, ganhas as guerras de fronteira e eliminada a necessidade de milícias, voltam a entrar as armas na equação...

Claro que o que se disse não implica toda uma sociedade. É possível vislumbrar algures uma vontade diferente. Não podemos esquecer que foi do coração dessa mesma América que saíram homens com Muhammad Ali, Jonathan Daniels, Medgar Evers ou James Baldwin, indivíduos que lutaram não temendo perder, partindo sempre de um ponto inferior em relação aos poderes instituídos (não necessariamente estatais).

Esperemos então por 2020, também temerosos. Num mundo globalizado, os vírus propagam-se facilmente.

-

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Fotografia: Doy Gorton (Atlanta,1970)

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publicado às 12:41

April Dawn Alison

por slade, em 17.07.19

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Mais em: https://www.theguardian.com/artanddesign/2019/jul/17/april-dawn-alison-photography

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publicado às 11:26

Burning (2018)

por slade, em 12.07.19

Ou como fazer do absoluto desconforto um mistério apenas resolúvel pelo fogo, que é como quem diz, irresolúvel pelos padrões da carne + sangue pensante característica, na pior das hipóteses, do homo sapiens.

“Há alguma alma aí dentro?”, perguntou certo dia o General Thade a um pobre sapiens destituído de posição na cadeia alimentar. Thade, homo a fazer de macaco e também sapiens, diga-se, ao serviço de Tim Burton – cineasta com forte inclinação para máscaras integrais. Que Deus nos livre da dúvida!, alguém escreveu numa das paredes anexas à Igreja dos Mártires. Não é bem assim, pois Deus tem tudo para não existir e colocar a questão  (digamos assim) é sanidade que chegue, é vertigem controlada, potência sob controlo desde que se assuma o limite (a resposta, digamos assim) como inatingível – se não para sempre, ao menos pelo tempo suficiente, que é como quem diz, até um segundo antes da morte.

Há, no filme, pois é de um filme que se trata, um escritor que nunca se materializa – num breve instante alguém lhe diz que escreve muito bem, mas não passa de uma carta que nem sequer é enviada, pelo que nos é dado a ver –, escritor quimérico, portanto, logo se existe questão a colocar, e acreditemos que sim, esta tem, é claro, status de Super-questão, ou seja, não é formulável em termos linguísticos, tal como a matemática das singularidades cósmicas não é formulável em termos lógico-numéricos. É material instável, mas que pode ser intuído como permanente. Ao alcance do padre, caso este não fosse uma farsa, ou de um Mestre Jedi, caso este não fosse a simbologia ficcionada de uma farsa. Não de um jovem aspirante a escritor com dificuldades de comunicação a viver algures entre a fronteira com a Coreia do Norte e Seul – 56 quilómetros que equivalem a 56 milhões.

Cedo nos é dado sexo, sem contacto visual entre os intervenientes, e pouco depois, inversão sem equívocos, masturbação. Um aspirante a escritor também se masturba – tal como um escritor consagrado, ou um padre, ou qualquer um que respire –, e fá-lo porque não pode deixar de o fazer. Está condenado (expressão só na aparência dúbia) a tal pelo infinitamente pequeno e não pelo infinitamente grande. Pelos vistos, é o gene que ordena a ejaculação, não a entidade divina mais à mão (sim, não resisti). Mas também há quem se esconda, mantendo uma certa aparência de limpeza que facilmente se confunde com integridade, isto no livre decorrer de um processo educativo que, pelo menos a esse nível, se homogeneizou. Só que não o pode fazer para sempre. Um dia vai prevalecer o bocejo, também simbologia e farsa, a hipótese inválida da não-pertença ou do privilégio (normalmente, a irradiar do bem-material, de preferência o topo-de-gama – ilusão que não parece ilusão, pois é palpável, e os ricos gostam de parecer limpos e excepcionais), mas que não escapa a um olhar atento e um pouco menos iludido, o olhar do despojado que lê livros. Em suma, da conjunção do bem-material com a…masculinidade resulta a substância (cujo reflexo é uma luz densa em cores sóbrias) que predomina. O que pouco ou nada permite avançar.

Pobres mulheres, que ficam de fora e nos podiam salvar se as deixassem? Não, outra ilusão – Pelas mesmas ordens de razão, são espaços vazios a ocupar, com necessidades semelhantes obteníveis por movimentos complementares ou contrários, conforme se queira. Estão igualmente perdidas. Quando se espraiam, não há escapatória, ficam-se pela mera tentativa, uma vez que acabam por chocar com matéria mais resistente, tal é o poder do músculo - e então desaparecem. É a vida, vida que sabemos dura.

Explosão e fogo – Seja no coração das estrelas de grande massa (de onde viemos, para que conste) ou como quimera visual (objectivo imberbe que se pode virar contra nós, quando um dos sapiens decide queimar outro, transformando a ilusão em literalidade) – Pouco mais resta.

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publicado às 18:46

Será pelo desencanto excessivo? (Crucify Your Mind)

Ou pelo sinceridade cortante? (Like Janis)

Ou por outra razão qualquer? (Sugar Man)

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publicado às 11:28

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