Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
O mais belo dos filmes-tristes alguma vez feito.
O que foi e (necessariamente) seria o traço característico da perfeição dos Rolling Stones caso a banda tivesse acabado logo após a morte de Brian Jones
(Ok, para um recomeço radioso como outra coisa qualquer que o mundo poderia continuar a amar loucamente para meu pleno e resolutivo desinteresse).
Não foram os únicos nem é o caso que mais irrita!
A perfeição dos arranjos, ideia-primitiva transposta para os dias de hoje (de um então que também é hoje) que assenta na percepção da decomposição vectorial, simetria que jamais colide com a descarga de energia (ah, campo aberto de gloriosa abundância que foram aqueles psicadélicos 60!). A colocação vocal, como se um nível atrás da deflagração instrumental, a sussurrar dos confins: "flags are flying dollar bills / 'round the heigths of concrete hills / you can see the pinacles".
Claro que vejo, tanto quanto se pode ver dentro do espaço infinito, onde as letras não dizem muito e as dimensões nem sempre estão à medida da vulgaridade de um olhar, por definição, limitado.
Ou o fardo do infinitésimo descaracterizado
Ou a aterradora consciência do quase vazio do limite inferior (incrivelmente denso)
Ou o realizador como um três de três: mestre de cerimónias, deus farsante e regulador da experiência
Ou, ainda, o filme que definiu a modernidade:
Famoso pelas entradas e saídas de cena – mais pelas entradas, verdadeiros esplendores onde a militância artística (jogo de expectativas para com o espectador ideal) exercitava competências em plena consonância com um aspecto físico que remetia para os portentos da mitologia pagã –, Orson Welles era também um actor fabuloso. Dono e senhor de uma voz de grande alcance, daquelas cujos sussurros se fazem ouvir tanto no íntimo dos nossos sonhos acordados, como no outro lado do mundo, e de uma presença estranhamente dorida e clarividente, como um bebé grande que já nasceu adulto e com a consciência do sacrifício que o espera. Só uma coisa nunca poderia ser (e nunca foi – enfim, talvez para a Rita Hayworth, em A Dama de Xangai; que ainda assim tornou sua, suprema expiação, pintando-lhe os cabelos de louro): servil!
Vejam-no na cena fulcral de The Stranger a tentar fingir que não é o nazi que tanto orgulho tem em ser. A subtileza nas mudanças de registo. O anseio (não menos subtil) pela verdade, a sua verdade, uma pequena brecha na alma à disposição do público, exigente se for ideal – súbito prazer que transborda serenamente na mais aterradora das inversões, quando diz “aniquilação” e esconde um sorriso no último momento (instante tão extremo quanto o possam conceber), pois não esquece que, naquele momento, é ele o animal acossado. Só nós podemos saber o que lhe vai na alma, o que lhe alimenta os sonhos. Quem merece perecer até ao último bebé de colo. E então sobrevém o temor, depois de levados pela mão para as profundezas de algo que se assemelha a decadentismo, mas não passa de uma simulação.
Uma canção de amor não-correspondido pelos bamboleantes XTC:
“Dear God, hope you got the letter and...
I pray you can make it better down here
I don't mean a big reduction in the price of beer
But all the people that you made in your image
See them starving on their feet
Cause they don't get enough to eat from
God
I can't believe in you”
Ou
Porque não resta alternativa ao homo-literatus, mas vazio de hinos nacionais e avesso a superfluidades, conquistas de território, literatura do género fantástico (aquela que comparte espaço nas prateleiras com a ficção-científica – o cúmulo do despudor, mesmo em tempos como estes, dados à insensatez), deves-haveres emocionais, redes sociais e supostos embates com o subconsciente devoto, senão a absoluta convicção de que Deus não existe?
Sejamos práticos, no que concerne ao deus católico (não, não devo ir por aí, só porque me deram sem que o pedisse, sanha dolorosa que não seria justa para com os que apenas tentaram afastar-me da selvajaria com os meios de que dispunham), no fundo, no que diz respeito aos deuses unos, omnipresentes e omnipotentes das grandes religiões, pelas características da espécie. Jamais um (D)eus, mesmo menor (supondo essa possibilidade), caso fosse intrinsecamente benigno (supondo essa possibilidade) => (um dito (D)eus-bom tal como nos foi ensinado), permitiria uma espécie como a nossa. Notado o erro, varrer-nos-ia num repente sublime ou cairia do seu altar, quiçá deixando-se arrastar para os estratos inóspitos do descrédito, para lá do Universo ou do conjunto finito de Universos (se o conjunto de Universos for infinito, então Deus é desnecessário), embaraço de dimensão supra-cósmica.
Em termos gerais, adolescências mal resolvidas à parte:
Digamos que Deus é Deus porque pode fazer tudo; melhor, Deus é Deus porque pode fazer perfeito. E no caso em observação, não só demorou imenso tempo a fazer (já agora, qualquer…curso de tempo mensurável poderia ser considerado excessivo), como não atribuiu condições que permitam progredir sem (sejamos tão neutros quanto possível) sobressaltos. E para quê? De que serve um caminho de pedras? Soa a experiência, mas, se sim, quem assiste à experiência? Porque permitiria um (D)eus-bom o sofrimento atroz à sua criação, pior, a consciência desse sofrimento? O enunciado (D)eus-bom(-e também perfeito) está para lá da consciência? Muito bem, digamos que sim, que é possível, então porque não nos legou um pouco, só um pouco, dessa condição. Porquê assim, tão certos e próximos da dor?
O que tenho como certo é que não pode ser por uma questão moral – um (D)eus-moral não pode ser um Deus-perfeito (nesse caso, nem que fosse por osmose, tinha-nos feito perfeitos – verdade?), pois um (D)eus-moral é por definição tendencioso, e ao colocar-nos perante a hipótese do Bem e do Mal, alguns, fosse por que razão fosse, mesmo sem pecar em consciência, pecariam, e escolheriam sempre o lado do Mal (reforça-se: mesmo inconscientemente), que não veriam sequer como Mal. Não excluindo as hipóteses: um acto perverso pode resultar na salvação da humanidade (por exemplo, o homicídio voluntário de um tipo prestes a pressionar o botão que inicia o holocausto nuclear, por motivos passionais); um acto puro pode resultar na sua destruição (por exemplo, salvar da morte certa 25 crianças encarceradas num veículo prestes a explodir, que – ah! inopinada e mórbida eventualidade – se encontram infectadas pelo vírus HDP-MAR 1, criado por um cientista louco de nome Cyrus Cyclope, facilmente transmissível e com o potencial de erradicar os seres-humanos em poucos meses).
Aplicando separadores, para melhor entendimento de quem escreve:
1 – Um (D)eus-moral pode, em teoria, consoante o lado do espelho, ser um (D)eus-bom, mas não pode ser um Deus-perfeito (que, por definição, não está sujeito a olhares e posições relativas a olhares), pelo que, em termos…objectivos, perante noções como Bem, Mal, Lealdade ou Decoro, não falamos de Deus, mas, quando muito, de um enorme poder discricionário de entre um conjunto maior ou menor de probabilidades, ao alcance de qualquer um ou espécie suficientemente poderosos para iniciar a experiência. Se a uma mosca fosse dado pensar e a olhar num único plano, por fragmentos e não através de sequências de imagens, o que seria o sapiens a esse, enfim, olhar?
2 – Um (D)eus-bom não existe, pois seria sempre um (D)eus-moral, e um (D)eus-moral não é Deus, que podendo fazer perfeito, não tem um ponto de partida para lá da perfeição, é imune a pontos de vista.
Ou seja:
3 – Deus é Deus porque vale o subsequente: Ele pode fazer perfeito – logo, podendo fazer perfeito, não pode deixar de fazer perfeito.
Conclui-se, então, por 1 + 2 + 3 que o único Deus viável em termos lógicos é o Deus-perfeito.
[Termos ilógicos não são para aqui chamados, porque a distorção é necessariamente fruto de uma probabilidade, e não, de modo nenhum, recurso de uma criação divina (sob pena de só podermos ver nesse Supremo-Criador um Hitler com poderes incomensuráveis).]
Deus que não existe, pois nunca neste Universo se criou perfeito.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.