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Por mais voltas que o pobre e belo mundo venha a dar dificilmente se poderão definir (ou melhor, circunscrever) as razões que levam uma canção pop a ser considerada perfeita. Não com a certeza pós-primitiva que é apanágio dos justos. Canção pop perfeita – Ui! Plim plons plim plons numa sequência subjectiva como que a levar-nos pela mão ao altar da mestria absoluta em pouco mais de três minutos. É o impraticável tornado viável, apesar de tudo? Singularidade que apenas interessa aos “náufragos do fim dos tempos” – aos que restam (sim, refiro-me a nós).
Poucos e loucos… A maldita voz interior clama por uma tentativa séria.
Mais do que uma opinião, seguramente, porém menos do que uma ideia (ou melhor, a composição de uma ideia segundo pressupostos metodológicos). E aqui, vem-nos à memória o trabalho de Paul Feyerabend, pensador que não suportava a prisão do método. Dizia que a utilização de termos (tão habituais) como “verdade”, “realidade” ou “objectividade” acabavam por tornar a ciência em algo estático, que a partir de um certo ponto não poderia progredir, uma vez cristalizadas as tais verdades. Enfim, como aviso – contra o perigo de olhar para postulados científicos de forma rígida, i.e., como fenómenos não transitórios, tudo muito bem (ou porque não?). Por puro gozo, melhor ainda, pois um dos termos que Feyerabend introduziu foi o de Anarquismo Epistemológico, a, facilitemos no discurso, profusão de teorias sob o fundamento: menos regras, mais inspiração; a libertação do pensamento ad infinitum.
Uma coisa é certa, a existência de um espaço mental vasto onde a liberdade de opinião e a vaidade intelectiva se intersectam é essencial para o…estado de compreensão que leva a que alguns seres vejam subitamente tão claro – a perfeição em tão poucos minutos de, não raras vezes, tão simples melodia. É preciso mais do que presunção, pois uma hipótese (consideremo-la sã para melhor entendimento) não é, em si, um fecho. Não encerra o que quer que seja. É um luxo a que nos podemos dar, tão-somente. Começa aí, pois tem de começar em algum lado. Contudo, bem mais importante, é a predisposição para o efeito de explosão que a liberdade de escolha naturalmente provoca. Uma sensação de ausência de peso que pode ser devastadora. O ponto onde a tese é irrebatível, mas faltam os termos lógicos para a sua defesa. Como processo, é e não é analítico, portanto.
Por estranho que pareça, a intuição diz-nos que não é uma questão de potencial. Uma canção absolutamente genial como 2HB, dos Roxy Music, não fechou o círculo. Uma versão cantada por Thom Yorke para a banda-sonora de Velvet Goldmine (1998), filme de Todd Haynes, melhorou substancialmente o que já estava feito. Mas a canção é a mesma, apenas se conseguiu conceber / produzir uma versão melhorada. E, enfim, uma versão não poderá nunca substituir o original. Aperfeiçoar é ir elevando a patamares diferentes. Um estado de perfeição é um sistema que retém a energia primária e que não permite acrescentar – Só é perfeito se for criado perfeito. Uma versão (mesmo se plenamente conseguida) é apenas e tão só…uma versão (eventualmente aprimorada) de uma canção.
A chave, nesse caso, terá de ser algo assim:
A canção pop perfeita é a melodia que não pode ser melhorada. Nenhuma versão será melhor, pois os elementos primários já se encontram reduzidos a um mínimo não divisível – e, também, delícia das delícias, já não observável a não ser por meios exclusivamente perceptuais.
A acreditar na tese (e acreditamos solenemente), eis alguns exemplos de canções pop perfeitas:
- Dexys Midnight Runners – Come On Eileen
- A-ha – Take On Me
- The Beach Boys – God Only Knows
- Abba – Lay All Your Love On Me
- Pet Shop Boys – Rent
- The Cure – Catch
Ou seja, apresentem-me uma versão melhor destas pérolas, e então conversamos.
Dona Cândida, respeitosamente: bardamerda!
Chega de justiceiros merdosos. CHEGA!
Se a senhora tem algum poder, é porque a sociedade lho conferiu. Para nos representar digna e solenemente, entendeu?
Não lhe pedimos para endeusar jogadores de futebol - "atletas de alta-competição respeitados por todos os portugueses", e de que importa isso? Não são mais do que eu, V. Exa., ou até, imagine-se, a pessoa que tem à sua frente, sentadinha e obediente; não perante o olhar da justiça. E se está a dar forma a um espectáculo para divulgação futura na CM TV, então é V. Exa. a criminosa (ainda assim, um pouco mais do que nada, e também alguém que aprendeu a chafurdar na lama e o tornou num modo de vida, tal como, impiedosa ironia, o 'nada' que tem à sua frente).
Um procurador não trabalha para as expectativas emocionais dos concidadãos, não expõe virtudes morais nem indica caminhos a seguir, trabalha para o apuramento de factos. Não se substitui ao padre da paróquia nem à professora primária nem ao paizinho nem à mãezinha. Não pega nas leis a bel-prazer, não ajusta a letra da lei ao molde que mais lhe convém, não faz de delitos comuns actos de terror para mostrar que com ele ninguém brinca (sejamos claros, ainda para mais em face de textos tão dúbios como as leis da nossa República, nenhum acto pode ser separado da sua consequência, independentemente da relação emocional que nos sintamos tentados a estabelecer, sob pena de se cair no arbítrio judicial – lição que, de resto (pobre de mim, que finjo fingir que acredito), devia ser desnecessária).
Bardamerda! Bardamerda vezes dois!
Com todo o respeito, reforço... Ainda acredito nas vantagens de um modelo de comportamento clássico.
PS - Se querem acabar com as claques, o que me agradaria bastante, legislem. De preferência, sem grande clamor. E sem moralismos e/ou outras imposturas, já agora.
Quem me conhece, ou melhor, as cinco pessoas que me conhecem sabem que raramente dou para o peditório da Golden Age do western, livremente, e a poder esticar, o intervalo de tempo entre 1935 e 1959. Enfim, obras-primas (reconhecidas por uma pequena multitude – no que diz respeito a cinema produzido entre 35 e 59, mesmo poucos são quase todos) não faltam, porém, como dizer, o John Ford era católico e fazia com que não pudéssemos deixar de o notar e o John Wayne…o John Wayne, o singularíssimo Duke Wayne, chamava-se (decoro, por favor!) Marion Morrison, tão deliciosamente aliterativo como qualquer homem vulgar prestes a tornar-se super-herói – quando e que bicho lhe mordeu não sabemos, é história ainda por escrever. E também filmes medíocres que alguns, menos, levados seguramente por muito agradáveis e expressivas memórias de uma juventude que entretanto se perdeu, fazem passar por obras-primas, com o inefável Shane à cabeça. Quanto aos primeiros, o que me afasta não é, em termos objectivos, a competência, mas a atitude, a complacência com o pior dos tempos de então (feitios – no que me diz respeito, pouco dado a não ter opinião, apesar de saber que não há outra hipótese, não me agradam sociedades que vivem de olhos fechados; pois é assim que se me mostram, desde logo nos filmes). Dos segundos, afasto-me de tudo, por uma questão de saúde mental.
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Não custa a compreender a importância da Fronteira na construção da mitologia fecundadora da América enquanto Estado-Nação e, simultaneamente, Estado-Conceito. Dentro dessa orientação / necessidade, o western foi uma espécie de motor de compensação. O olhar de uma era posterior (o equivalente à luminosidade da hora mágica no instante em que a América se assumia como a primeira superpotência verdadeiramente global na história da humanidade) sobre algo que também assentou em [sejamos simplistas:] pelo menos três pecados capitais: a erradicação das tribos autóctones, a escravatura e o massacre dos colonos que reivindicavam terras prometidas. Pecados que precisavam de ser varridos da memória formadora. Nada de novo, não se constroem impérios a olhar para espelhos, mas sim para iluminações; se expressivas, tanto melhor. Houve, em tempos meticulosamente transviados, um filme que tentou pôr a América a ver-se ao espelho – refiro-me a Heaven’s Gate (1980), de Michael Cimino –, e os resultados foram catastróficos. Não voltou a haver outro. Uma coisa é tolerar um certo cinismo; outra, um abalo profundo nas estruturas. Um The Wild Bunch (1969) ou um The Missouri Breaks (1978) ainda vá que não vá. Ou até um A Man Called Horse (1970). Brincar com coisas sérias, sim, mas sem ultrapassar certos limites - quanto mais todos os limites, como o Cimino tentou fazer,... conseguiu fazer. [Aqui entre nós, por devoção e obrigação: é um dos filmes do século passado.]
Contudo, sem excepção ou excepções não existem regras, como todos sabemos, e também aqui precisamos de uma (digamos que chega a plural). Trata-se de Man Of The West (1958), do tarefeiro, e apesar de tudo prestigiado – talvez pelo sentido prático que sempre demonstrou –, Anthony Mann. Realizador que experimentou com sucesso praticamente todos os géneros, e por isso nunca atingiu o estatuto de autor. Dirigiu uma série de westerns e ficou bastante conhecida uma parceria duradoura com James Stewart (8 filmes ao todo, 5 westerns). Contudo, a dita excepção resultou da única colaboração com outra das maiores vedetas dessa e de todas as épocas, Gary Cooper.
Gary Cooper foi uma das figuras mais ambíguas do star system de Hollywood. Por um lado, na aparência, simples de definir como modelo: era um conservador de ar imperturbável, daqueles que facilmente se identificam com uma das duas facções da Hollywood de então (enfim, da América que dura até aos dias de hoje). No entanto, ao contrário de John Wayne, não suspendia o pensamento perante a habitual elasticidade das ocorrências do dia-a-dia, nem sempre fáceis de delimitar de acordo com modelos primários. Forma de estar corroborada por acções que não podem deixar de gerar simpatia. Sim, testemunhou perante a monstruosa Comissão de Actividades Antiamericanas, idealizada por Joseph McCarthy (que felizmente não morreu de velho), identificando-se como anticomunista primário e expondo certas inquietações ante certos comportamentos à sua volta; no entanto, nunca deu nomes e quando a mesma comissão tratou de excluir do mundo do cinema Carl Foreman, o argumentista de um dos grandes sucessos da carreira de Cooper, High Noon (1952) – e enunciemos que é por aqui que a excepção chega a plural –, este defendeu-o com unhas e dentes, arriscando a ser colocado na infame Lista Negra, destinada de igual modo aos que questionavam as determinações do merdoso senador do Wisconsin e companhia, e por esse motivo menos justos. Não vendeu colegas e não deixou cair um amigo, portanto. Uma curiosidade: dizem as más-línguas que foi John Wayne em pessoa quem o ameaçou com a Lista Negra. Ah, bravo Duke – mui digna representação da coragem dos valentes. Em código: FAKIU!
Fica, assim, claro pelo exemplo precedente que Gary Cooper reproduzia no cinema e na vida (e respectivas intersecções) o âmago do Homem do Oeste. Homem que não se anunciava nem deixava que o anunciassem como providencial, mas que não virava as costas à luta. Homem que, bem ou mal, estava ali e entre fugir e lutar, escolhia lutar. Homem consciente da ambiguidade do seu estado. Homem que não tinha verdadeiramente para onde ir, mas sabia que em algum lado era esperado – como homem, não como herói, que fique claro. High Noon foi a afirmação desse homem; Man of The West, a sua síntese.
Logo nos primeiros instantes de Man of the West percebemos que é, em certa medida, um homem fora do Tempo. Ou melhor, que vive num Tempo-Modo próprio, digamos que, solto no que concerne à relação entre o Tempo e o seu Espírito. Considera o comboio, que vê pela primeira vez, a coisa mais feia que alguma vez viu. Quando um daqueles farsolas que se topam a milhas se mete com ele, não o afasta, dá-lhe troco e sorri. Quando uma mulher bonita passa por ele, mal olha para ela, mas sabemo-lo bem, mirou-a de cima a baixo – nesse momento, olhar radiográfico, na diagonal e tendencialmente sério. O liberal e o conservador misturam-se num corpo-mente que não pertence a nenhum ideal. Quando muito, não é imune às circunstâncias do momento – do sentido do momento, quer dizer.
Pouco saberemos do presente desse homem, apenas que alcançou a dignidade no esquecimento, na naturalidade e na pertença – binómio: família + comunidade. Posto isto, nada há a acrescentar.
É no confronto com o passado que o filme concentra a sua força. Efeito de ricochete de uma vida com a sua sombra, pois não se vive apenas uma vida se se tiver vivido muito tempo. Não no cinema.
O percurso é linear; o olhar, interior:
O Homem do Oeste entra num comboio com uma missão (contratar uma professora); o comboio é assaltado por um bando e o Homem do Oeste, vítima das circunstâncias, fica pelo caminho, acompanhado quer pela mulher, quer pelo intrujão que vimos no princípio do filme; os três procuram refúgio numa cabana, onde, por azar, se encontram os assaltantes do comboio; o bando é, afinal, o antigo bando do Homem do Oeste, um fora-da-lei entretanto regenerado – para cúmulo, os antigos companheiros são seus familiares; o Homem do Oeste numa encruzilhada: ou elimina os que já foram seus e abdica do valor primígeno (o sangue) ou abdica do renascimento (família escolhida).
A consequência não é simplesmente uma reacção:
Sabemos onde isto vai parar (e os que não sabem facilmente intuem), mas de pouco importa. A narrativa é clássica, vai para onde tem de ir. O mistério, se existe um, é risível. O que está em causa, assim parece, é todo um modelo assente na negociação permanente entre níveis aceitáveis de perda.
Mas voltemos um pouco atrás. Alguém escreveu que a impossibilidade da “verdadeira vida” (a plenitude, por assim dizer) leva o ser sensível consciente do facto para os caminhos do absurdo. Declaração, convenhamos, difícil de contrariar se levada a sério. Se a “verdadeira vida” fosse tida como viável, a impossibilidade da sua concretização degeneraria inevitavelmente numa sensação de perda sem fim à vista; nesses termos, até a morte seria bem-vinda – melhor, só a morte seria bem-vinda. No entanto, enquanto seres sensíveis conscientes, uma das primeiras coisas que aprendemos é a não viver nos termos do absoluto; ou seja, a negociar. A vida…praticável implica que quem vive saiba estar e saiba agir de acordo com os meios disponíveis, esticando as hipóteses ao ritmo do possível e um pouco mais. Humildade que não se deve confundir com conformismo. A única transcendência imanente ao ser sensível é a aceitação, e não há maior acto de humildade que a diluição pelos níveis fundamentais da humanidade (a começar na sociabilização e no respeito pela comunidade e pelo compromisso assumido), a transcendência zen aplicada ao velho Oeste.
A individualidade responsável não culmina na excepção e o acto heróico não é uma caminhada para a diferenciação. O nosso herói, o Homem do Oeste abdica uma e outra vez, por outras palavras, assume a responsabilidade da escolha, e regressa para junto dos que elegeu como seus. Quando o voltarmos a ver, se o voltarmos a ver, é mais um entre muitos. Não se distinguindo dos demais; afinal, nenhum homem se distingue do herói.
Pode parecer estranho para alguém nascido depois de 1990, mas houve uma época em que a música influenciava o comportamento de vastas franjas da sociedade. Por exemplo, se um conjunto de notáveis (eleitos é, quiçá, melhor palavra) chegava à conclusão de que um determinado álbum influenciava outros álbuns, isso não significava apenas que um determinado músico tinha inspirado outros músicos, mas algo muito mais abrangente.
Nesses tempos, grupos mudavam de hábitos, criavam novas rotinas, e só depois eram produzidos discos para reflectir as novas perspectivas. É claro que tal leva à seguinte proposição: antes da vida havia o disco, aquele disco específico, o disco primordial. Encontrar esse disco é missão para muitas vidas e para algumas, apenas algumas, muito poucas pré-disposições, pois, por princípio, nunca será encontrado, é um disco mitológico.
E, no entanto, esse disco foi concebido – enfim, assim teve de ser, uma vez que foi com ele que tudo começou, e foi a partir dele que surgiram todos os outros, uma parte dos quais já tivemos oportunidade de escutar com atenção.
Para melhor esclarecimento, deixo-vos este instante:
Certo dia, enquanto caminhava de fones nos ouvidos (estava a ouvir o Architecture & Morality, dos OMD), decidi ir pelo caminho mais longe de regresso a casa, o que implicava descer pela ruela mais próxima, voltando subitamente à direita. A meio caminho dos não mais de trezentos metros de descida pronunciada, pelo canto do olho, como se empurrado por uma saliência na parede contígua, vi surgir um candeeiro. Olhei de frente e, de certo modo, irresponsavelmente, pois sabia que o Sol se encontrava naquela direcção. Fui de imediato esmagado pelo excesso de luz e afastei o olhar – Não suspendi logo a marcha, dei duas passadas no entretanto. Esses passos foram decisivos: quando me detive estava exactamente no enfiamento do candeeiro com o disco solar, ambas as formas em perfeita consonância. Ah, que privilégio, um eclipse só para mim! A imagem inequívoca do belo. Tenho de a fotografar, pensei então. Assim fiz, usando a câmara do telemóvel (que já me resolveu inúmeros problemas, diga-se). Mas não naquela vez. Tentei, tentei e voltei a tentar. Não, não era aquilo que os meus olhos viam, não era aquele o contraste que queria fixar para sempre, a tonalidade invertida, o sublime da comoção. Não!
Prossegui, desiludido. Que merda, um momento daqueles, ainda por cima – os OMD a isso obrigam – algures entre a metade do Souvenir e o final do Joan of Arc, passando necessariamente pelo Sealand, pois claro, desaproveitado para sempre.
Desperdício? Claro que não, exagero do momento, essa fotografia existe, apenas, também ela, no estado mitológico, nas (assim as desejo) vastas regiões exploradas e por explorar da minha mente.
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A busca não pode parar, é quase tudo o que sabemos, os que insistimos em procurar. Trocamos vontades mais do que razões. Acreditamos no desejo, mas não o misturamos com o espírito de missão, não a partir de um certo nível, apesar das diferenças. Quanto a isso, separamo-nos em dois grupos, racionalistas e peregrinos. Fazemo-lo de livre vontade e como garantia de sã convivência, pois mais vale uma separação segura e cortês do que a dissimulação constante. Simplesmente, uns acreditam mais no método científico do que outros; e por uma vez, podemos dizer, para os que crêem menos, o efeito religioso não tem efeitos nocivos. Nada de mais, nada que nos faça querer derramar o sangue do outro. Mais facilmente verteríamos o nosso propositadamente, uma vez nenhuma das partes exclui a hipótese do sacrifício.
Em momentos de sublime desespero (ou de desesperada sublimidade), ouvidos atentos que levam a sensações de puro deleite guiam o peregrino por caminhos necessariamente perigosos, que o peregrino necessariamente não vê como tal, e parece-lhe então vislumbrar o que pode ser essa fita perdida nos tempos (como acontece com os filmes, e mesmo os livros e as histórias que contêm nos últimos, pelo menos, 500 anos, sem a hipótese de reprodutibilidade não há obra, pois a sua existência depende de um processo de validação comprovável por tantos olhares quantos os disponíveis – é o preço da modernidade, e, ironia das ironias, um erro ao mesmo tempo necessário e crasso: procurar o mito no modelo de reprodução mais recente).
Já o racionalista, perante o deleite, faz por o expulsar, através de espasmos (imaginem alguém a sair de um transe doloroso), e finge que não se importa com o fim da busca (enfim, a busca é um fim em si mesmo, diz, mas nunca deixa de elevar o olhar sequioso quando um peregrino lhe anuncia que finalmente encontrou).
Curiosamente, e não sem ironia, alguém que observasse de fora a sucessão de espasmos facilmente pensaria estar perante um qualquer ritual pagão, e sorriria com desdém quando alguém lhe explicasse que eram aqueles os racionalistas, e os outros, os calmos e de olhar inquisitivo, eram, esses sim, dados a crenças estapafúrdias. Os autoproclamados peregrinos.
Como se pode ver, não nos distinguimos o suficiente para que uma disputa séria e violenta valha a pena. É fácil de perceber: queremos música, e mais e mais… e isso nunca será tudo.
Sou, obviamente, caso não tenham percebido (bem sei que não tinham como), um racionalista convicto.
Uma pequena amostra, após aproximação/tentativa e (colossal) ERRO (colossal):
Count Basie – The Atomic Mr. Basie
Joan Baez – Joan Baez
Bob Dylan – The Freewheelin’
The Beach Boys – Pet Sounds
The 13th Floor Elevators – The Psychedelic Sounds
Love – Forever Changes
The Velvet Underground – The Velvet Underground and Nico
Captain Beefheart & His Magic Band – Safe as Milk
Pink Floyd – Piper at the Gates of Dawn
The Mothers of Invention – Freak Out!
Tim Buckley – Goodbye and Hello
Marvin Gaye – What’s Going On
E tanto que fica por dizer…
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