Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



1 (3).jpg

Jean Claude Brisseau, cineasta, à superfície, parece o negativo câmara-ao-ombro de um tal de Henry Miller, escritor que já foi maldito e agora, segundo alguns, é unicamente sinónimo de frivolidade (aliás, tanto um como o outro têm sido bastas vezes credores de tão sentido elogio). Prossiga. Mais do que o reverso, estamos perante um eco distante, obscuro, como se volvido do outro extremo do espectro. E pode ser resumido? Sim. Uma perversão sempre exposta por via da ‘linguagem’ mais inocente, dentro do que tem / tinha à sua disposição. Os ditos erros e excessos são semelhantes, salvaguardadas as necessárias distâncias (artes distintas, modos de expressão objectivamente diferentes): Henry Miller sofria de excesso de adjectivação, Jean Claude Brisseau vive do excesso de exposição. Dois optimistas endurecidos pela vida, resistentes imersos na controvérsia, num mundo onde a maior parte deles (que escreve, filma, canta, esculpe, pinta ou declama) muito pouco tem feito que nos sirva. Referimo-nos a optimistas insubmissos, que fique claro. Um vivo, Brisseau; o outro já desaparecido. Os que sobram – venha de onde vier o optimismo – não se distinguem verdadeiramente dos idiotas.

Escavando um pouco, as palavras de Miller eram sadias, frescas, vertiginosas; as de Brisseau (que as usa sem reservas nos seus filmes) são inertes, caprichosas – como se produzidas para um efeito preciso e previamente calculado. Vida versus artifício, dir-se-á, se se quiser reduzir a esse ponto. Miller escrevia, por exemplo: “meti-lhe três dedos e deixei-os ficar até lhe escorrer o sumo…”. Já nas obras de Brisseau ouve-se dizer, invariavelmente vindo de uma mulher (pois claro), algo do género: “gosto de me filmar enquanto me masturbo ou me tocam pela sensação de entrega e extrema submissão…”. Mas nada disto exprime diferenças substantivas, muito pelo contrário. Homens inteligentes que queiram chegar aos mesmos resultados sabem que não podem tomar as mesmas decisões se estiverem sujeitos a regras diferentes.

Brisseau é cineasta, logo filma e seguidamente mostra, tem o corpo do seu lado. A imagem do corpo nu expõe, arrebata, leva-nos no seu encalço; neste caso, as palavras podem ser explicativas – e mesmo assim, pouco se perde, do ritmo, da deflagração da consciência, da interacção dos seres, enfim, da vida.

Para Miller, que não podia mostrar, a palavra era, evidentemente, tudo. Tudo o que tinha, tudo o que lhe restava. Não podia expressar-se directamente. Como era genial, sabia que havia atalhos disponíveis e sabia como encontrá-los; como o viajante estelar do futuro, caso queira o longínquo de entre o longínquo, se terá de socorrer de Buracos de Verme. Ou seja, como chave, a palavra tem de encontrar o caminho do corpo e da acção que o determina e cinge e enquadra no circuito da, pois claro, deflagração da consciência, da interacção dos seres, da vida. George Bataille mostrou-nos isso mesmo na sua História do Olho, indo tão longe quanto lhe competia (i.e., o mais longe possível). Por outro lado, a escritora (e notável cineasta) Catherine Breillat mostrou como não se faz na sua obra falhada Pornocracia.

Ainda assim, em qualquer dos quatro casos atrás referidos, estamos a falar de sexo, o que é sempre um bom princípio.

2 (3).jpg

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 15:16


Mais sobre mim

foto do autor


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.



Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D