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Poucos filmes me magoaram tanto como O Adolescente – Le Cri du Coeur, de Claude Lallemand. Filme verdadeiramente esquecido pelo que me é dado a perceber (por exemplo, o link na Wikipédia remete erradamente para um outro filme com título semelhante), deixou uma profunda marca no adolescente que eu também era.

Havia outro, o protagonista…

Paralisado na sequência de um acidente – não recordo os pormenores do mesmo –, no excesso de tempo que tinha à disposição, a relação obsessiva com a mãe passa a ocupar demasiado espaço para compensar a falta de um outro, o aproveitável pelo seu corpo inerte. Erro crasso. As mães não nos pertencem absolutamente, tal como nós mais cedo ou mais tarde deixamos de lhes pertencer. Amam-nos para sempre, o que é tudo, enfim, quase tudo, mas também vivem para lá das nossas exigências. O que o bom filho só a muito custo e no devido tempo pode entender (leia-se, na vertigem do choque e no limiar da puberdade), no altar supremo do seu mundo artificial prestes a desabar. Possuem um corpo e o domínio sobre o mesmo – corpo funcional, livre, no leve decorrer da normalidade; o que, ademais, está vedado ao nosso adolescente, preso numa cadeira-de-rodas. Este, certo dia descobre que a mãe tem um amante. Partilhar a mãe com o pai já é sacrifício que chegue, e bastamente estudado. Aceita-se, porque a evolução assim nos foi construindo, para esse doloroso consentimento, chave de uma futura liberdade. O outro, um outro, é um intruso paragenético, alguém que vive à custa do nosso sangue. O que é intolerável. Tem de ser arrancado, extirpado, de preferência com dor – sentir é verbo unívoco, de outro modo não faz sentido.

Porém, e se existir outra forma? Vã, porém urgente, tentativa. Um atenuar ilusório das suas consequências, digamos. Melhor: medicamento de efeito rápido, contudo com terríveis e (faz-de-conta) inesperados efeitos secundários, antes da cirurgia invasiva. (É um adolescente numa cadeira-de-rodas, afinal.) E qual? A confissão! O confronto entre ambos nos seus termos mais inaceitáveis, mais perturbadores, na presunção de uma paridade entre as partes. Ele: O que é que ele te faz? Hoje por exemplo, como foi? Ela: Não te vou dizer isso! Ele: Se não me responderes, conto tudo ao pai. Ela: Não faças isso, há coisas que ainda não podes entender. Ele: Não pergunto outra vez. Ela: Queres mesmo saber, hoje foi por trás! Ele: Não acredito! (No olhar: Não quero!).

De uma viagem ao reino do inimaginável, ninguém sai vivo. Mas como o podia saber o adolescente numa cadeira-de-rodas – tentado pelo abismo, como é próprio dessa idade, e de sentimentos amplificados pela aterradora condição de entrevado? Ou sabia – e mesmo assim colocou-se na borda do precipício?

A mãe, Stéphane Audran, tinha então 42 anos.         

audran.jpg

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publicado às 11:54


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