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Deverá a fotografia erótica manter a superficialidade como princípio? Claro! Para não se perder o propósito. Apenas quatro requisitos são essenciais: ousadia, provocação, deixar as infantilidades de lado e…ser em exclusivo o produto de um olhar feminino.
Há muito que o homem perdeu o barco da sexualidade. Não?! Veja-se no que se tornou a pornografia. Ou tentem recordar a última vez que viram um homem a mirar uma mulher. Imagem nítida, farsa de um só sentido, quadro de absoluto desespero, agónico - quando visto de fora, ali tão perto. O olhar impreciso, sem expressão ou com excesso de expressividade, sem saber por onde começar ou como se contemplasse o infinito; em qualquer dos casos, perdido.
Consciente desse facto, mais do que impedir a mulher de usufruir da sexualidade (vã tentativa seria), o homem tenta impedi-la do gozo pleno dessa liberdade. Algumas preocupam-se e revoltam-se, outras assumem uma qualquer culpa, outras ainda ignoram olimpicamente esse 'desejo tonto que nem merece juízo' , sabedoras de que não é mais do que a expressão dissonante do macho amedrontado.
Como por exemplo:
Natacha Merritt:
Magdalena Wosinska:
Jody Frost:
April-lea Hutchinson:
Erica Simone:
Alejandra Guerrero:
Roger Waters e Brian Eno andam de candeias às avessas com Nick Cave por causa de dois concertos que este decidiu dar em Israel. Decidiu bem ou mal, mas, mais importante e pelo que li, em consciência. Pois também eu:
(Na verdade, é muito simples: não há excepções, nem mesmo para o povo chacinado em Auschwitz).
Numa era em que se pede tanto, uma coisa ninguém tem o direito de pedir: que se assista ao funeral de um filho e se sobreviva. Culpa máxima e ilimitada! Criar vida para a morte certa, do vazio da inexistência para o vazio pós-morte por um único caminho possível, assente nessa consciência. Impulso leviano (ao coração, se lhe fosse dado pensar pararia, proferiu Pessoa) cravado nos genes com uma força mil milhões de vezes superior à força sub-atómica, tirania escondida bem lá no fundo do que quer que seja – e logo verborreia travestida em desígnio e convencimento de si… Morrer primeiro, ao menos isso.
Nick Cave viu um filho morrer, sabia o que todos sabemos, enfim, um pouco mais do que a maioria, e ainda assim tentou. Eis parte do resultado:
“Sunday morning, skeleton tree
Oh, nothing is for free
In the window, a candle
Well, maybe you can see
Fallen leaves thrown across the sky
A jittery TV
Glowing white like fire
Nothing is for free
I called out, I called out
Right across the sea
But the echo comes back in, dear
And nothing is for free
Sunday morning, skeleton tree
Pressed against the sky
The jittery TV
Glowing white like fire
And I called out, I called out
Right across the sea
I called out, I called out
That nothing is for free
And it's alright now
And it's alright now
And it's alright now.”
Muito facilmente encontrarão escrito que Nick Drake viveu a maior parte da sua vida subjugado pela depressão, que aos 26 anos finalmente o matou. Mais difícil é pressupor para lá da biologia, da mecânica da doença, senão identificada e curável, pelo menos identificada e tratável.
Há trinta e cinco anos, Marguerite Duras não se furtou à palavra, pois não podia, mas alongou-a, até ao infinito ou muito próximo (exagero necessário). Doença que tinha nome, mas não forma, a Doença da Morte. Uma falta sem remédio – a ausência de vitalidade.
Doença da Morte. Quem dela padece, pode dizer-se, nunca esteve verdadeiramente vivo. E que não restem dúvidas, atinge ociosos e sobrecarregados por igual. E não está de modo nenhum associada ao movimento, as pernas dos doentes da Morte podem mover-se rapidamente e com grande resistência ao atrito ou pesarem toneladas atirando esses enfermos para a inércia pungente dos acamados crónicos. Também não importa se se é criativo ou estéril, pois, reforça-se para que fique claro, não falamos de capacidade de trabalho nem de proficiência.
Ainda assim, os criativos, quando é o caso, encontram nos seus dolorosos caminhos um convenientíssimo meio de expressão, como esse cúmulo de genialidade triste que foi Nick Drake, extraordinário (insistência perdoável) cantautor inglês. As suas canções, vindas de onde vêm: do coração da enfermidade sem forma, são estranhamente lúcidas, e por isso (o que é ainda mais estranho) são para nós inabaláveis, como uma subida íngreme que principia e não se pode interromper senão no topo. A sua voz, retoque que surge (ou parece surgir, vai dar ao mesmo) depois de aturado cálculo, fá-las então subir ao dito cume. Enfim, como alguém disse num certo dia de Outono: estrelas explodem, e à nossa volta tudo tão calmo.
Resposta em modo post aos comentários do R. e do F., que obrigam a exigência máxima:
(Quanto às durações e aos planos utilizados na sequência de necrofilia, não vejo nada que me impressione negativamente – pertencem à natureza do filme. E a saliva dos beijos é tudo menos simulacro. Quando dizes que o corte para Jesse é contraproducente, ou seja, desnecessário, eu arrisco dizer que é o que tem de ser. Se há coisa que irrita o analista pós-revolução industrial, é quando se goza / joga abertamente com a segurança da observação (não só no sentido de não haver coordenadas disponíveis, mas, mais ainda, quando estas existem e indicam um ponto errado – o que, esclareça-se, só pode ser interessante se for acto deliberado; serve a arte sob certas condições, nunca a ciência). Porque a verdade é que já vamos predispostos para o que está de acordo com o modelo correcto (racional e caucionado por décadas de boa análise). Sim, é óbvio que não se deve mostrar demais, que não era preciso reforçar o nexo de causalidade com a cena anterior, tudo isso. Mas isso não é o filme (The Neon Demon), melhor, seria fugir ao filme.
Este é um filme que não vive de acontecimentos objectiváveis (os – acontecimentos - que tem nem sempre nos dão margem de manobra - reconhecimento), não vive de espaços pré-definidos criados para o / esse efeito, é como se fosse decorrendo sem a devida legenda (subentendida, é claro), sem oferecer um número de pistas suficientes
(também não sabemos se a orgia contada em Persona aconteceu realmente, mas aconteceu, pois construiu para a personagem que vemos a contar, e tal basta).
Do tipo, isto acontece realmente, isto é sonhado, isto não é. Acontece e não acontece – ou terá acontecido –, em simultâneo. Sem estratificação. Nesse sentido, um cineasta próximo de Refn é Oliver Stone, se bem que com as devidas diferenças: Oliver Stone é retórico, Refn é pictórico.
Dizes que devíamos ficar algum tempo com Ruby para que a imaginação possa trabalhar, eu falo em emoção contagiante. As sequências são belas e são únicas e são, até certo ponto, de facto, não relacionáveis umas com as outras. Mas também são: é na troca de planos entre Ruby e Jesse, durante a sequência da necrofilia, que vemos erguer-se o potencial, antes contido, envergonhado, de Jesse
(é um atalho que pode confundir, pois não sabemos quem pensa em quem, ou sequer se alguém está a pensar em alguém, e nesse caso para que serve? – E depois?),
que assim, na sequência seguinte, pode finalmente expor-se, para finalmente ir ao encontro do seu destino. É a imagem ao serviço de si própria? Tudo, na aparência, tão terrivelmente errado, e alguns de nós sem nos preocuparmos, perfeitamente integrados. A emoção abalou a razão. O que me devia ter abalado, mas não abalou. É a técnica dos telediscos – mais uma razão para me sentir abalado, e, ainda assim, não.
O autor constrói-se (ou desconstrói-se) perante o nosso olhar numa odisseia de desconsolo e horror e fascínio e auto-satisfação (ou sem contradição ou abençoada contradição, não simplesmente contradição) sem forma concreta nem conteúdo tornado objectivo. Quem sabe se o tudo que é o nada, de que ele tanto fala na entrevista ao James Franco, quem sabe se sem saber do que estava a falar…
Se quer que amemos odiá-lo ou que odiemos amá-lo, de mim não leva nada!
Este é um filme feito para o nosso desprezo, que ousaremos não desprezar (razões para detestar há de sobra, e quase todas fundadas na boa análise), jogando / gozando, quem sabe, também abertamente com a observação. Alguns filmes servem para isso. A mim, devo dizer, não sei ainda para que me serviu, mas sei que não se quer ir embora, bendita assombração.)
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