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The Neon Demon, de NWR

por slade, em 31.10.17

Nicolas Winding Refn não filma e mostra, dispara sobre o ecrã, e de um modo que o crítico, à primeira vista, sem alternativa aparente, tem de considerar insuportável. Reflexo (nosso) de um modelo educativo frio e hirto e de uma pré-disposição constitutiva (outros, menos dados às ciências naturais, chamam-lhe cinismo fin-de-siècle) para a desconfiança. Olhar tísico? Nem tanto – Autodefesa congénita.

Juízo que antes fazia todo o sentido e agora de pouco importa, desde The Neon Demon.

NWR não tem o dom da palavra, e o próprio parece tê-lo finalmente reconhecido. Na verdade, era o passo que lhe faltava dar. Filmes como Bronson e, em certa medida, Drive não eram apenas falhados, eram anómalos, desfasados da proposta do autor (que, apesar de tudo, se pressentia). O primeiro demasiado palavroso, e apenas estupidamente amaneirado (e, no entanto, como se lhe viria a ser útil a afectação), o segundo, supostamente classicista, e afinal apenas lacunar. Já Only God Forgives tinha e tem inúmeros defeitos

NOTA: NWR tem esta extraordinária particularidade, aqui com o traço severo do inevitável: ou é iniciático ou não é nada, e como se expõe sem reservas, todos os defeitos estão à vista por definição –,

porém como foi uma séria (sinónimo: honesta) tentativa de criação de uma mitologia prévia à linguagem autoral, onde esta assentaria, o tiro não falhou o alvo por muito (falamos em anos-luz, é óbvio, nada que impressione quando se pretende o Universo).

E o que torna The Neon Demon diferente? É um filme de alguém que finalmente se assume. Sem reservas.

NWR tem um único caminho à sua frente, percurso estritamente pictórico. Relaciona-se connosco (através de imagens belas, artificiais, iconográficas, instintivas, extremadas, grotescas, também pungentes, totais) do mesmo modo que a pintura se relaciona com os seus observadores, e do que destes vem em troca. Relação biunívoca que por parte do observador resulta no que se pode chamar de intransigente jogo de emoções (pessoais e intransmissíveis, e como tal, em última instância, inclassificáveis). Referências objectivas e factuais subsistem, mas, convenhamos, deixam de importar. O que interessa não é a história de (seja o que for), mas o seu símbolo pictórico inscrito na percepção de cada um. Se simples ou intrincado, pouco interessa.

[Na pintura – pelo binómio: tudo aparece no mesmo plano/ocorre no mesmo instante; no cinema – pela eliminação da distância entre o literal e o metafórico (ideário: Zizek).]

NWR relaciona-se com a modernidade de modo dúplice: sonha-se artista e não consegue escapar à beleza figurativa das imagens, por isso defende-se, expondo o lado negro dessa beleza (reforça-se: ilusão a que não resiste) – homem entre dois atalhos: o do seu ser e o do seu desejo. Uma queda voluntária e ostensiva no abismo do tem de ser. No fundo, e sintetizando, falamos da exposição dessa fraqueza, caminho consciente para o erro, o que o pode por fim resgatar, pois torna-se ao mesmo tempo deus de um universo (o seu, é claro) e cordeiro sacrificial.

O registo é, pois, o da … Hipérbole sobrecarregada, a negrito, à boa maneira do príncipe do barroco Dario Argento (banda sonora a condizer), e por essa razão, podemos supor, foi aos contos de fadas buscar a referência primária (ah, Jesse, Capuchinho Vermelho, acossada por todos os lados num mundo sem quaisquer referências, perdida, sem família, rodeada de lobos imaginários, reais e outros com lábios pintados a fingir de cordeiros, tão facilmente iludida – Para que servem as bocas? Dizem-nos que para pintar com cores de sexo ou comida, princípio do terceiro excluído. Era um aviso.)

Longa vida à Hipérbole! O Demónio de Néon é o monstro dos contos de fadas dos tempos modernos. Demónio que se esconde por trás da beleza, de resto inscrito nesta, na sua superficialidade. Demónio que se sonha sob doses massivas de maquilhagem e sessões de reconstrução. Demónio que se sonha mas verdadeiramente sem sonhos. Demónio que se exibe nunca escondendo o talento cénico. Demónio que, ainda que sem sonhos, nos arrasta sem travão para as regiões inóspitas do hipotálamo.  

Ou seja:

Quem consegue resistir a tal Demónio, viagem ao fascínio perverso do espectador? … Que propósito serve tal reacção?

Para terminar, menino Nicolas, um aviso: não te atrevas a voltar para trás! E tem sempre presente que, depois de resgatado por mim e p’los Cahiers do Cinéma (The Neon Demon ficou em terceiro na lista dos melhores filmes de 2016), nada tens a temer.

 The Neon Demon.docx.jpg

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Para o R. e para o F.

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publicado às 10:08

Um juiz qualquer, monte de merda é melhor expressão, no despacho de um recurso final num caso de violência sobre uma mulher resolveu intervir em termos morais. Sim, o último reduto da integridade do estado de direito, o poder de julgar honrando os que estão a julgamento, acusados e acusadores (que não haja dúvidas a este respeito, é muito mais grave para a saúde de uma identidade social um juiz condenar erradamente em consciência – se boa ou má pouco importa – do que um ex-primeiro-ministro meter 32 milhões ao bolso), aproximou-se gravemente da consideração religiosa e com isso libertou um Monstro.

Monte de merda, traidor, frustrado, triplo monte de merda!

Juiz? Nunca! Não pode ser. Não no meu quintal - não na nossa República.

A coisa reza nestes termos, soltos mas escolhidos a rigor, para evitar, na medida do possível, o efeito de esmagamento:

"O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem".

"Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte".

"Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte".

“Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (código penal de 1886, artigo 372º) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse acto a matasse”.

É o que dá levar um par de cornos sem sentido de dignidade. Levou e não aguentou o embate. E agora os outros que paguem. Pois, pois... Abençoada mulher que merece um altar para adoração.

Agora só vejo uma saída, libertarmo-nos, livrarmo-nos dele como nos libertamos, livramos de um qualquer monte de merda. E quanto maior o monte, mais gozo dá, como se sabe pela experiência de cada um. E sem desculpas: não venham com separação de poderes e independência dos tribunais. Um juiz (e já se percebeu que este monte de merda não pode ser um) julga de acordo com a lei, não de um qualquer livro supostamente divino que adequa às suas frustrações e faltas.

É assim tão simples: ou nos livramos deste espécime, monte de merda, primata de toga, javardo, falsário, pelintra pantomineiro que a evolução esqueceu, ou não passamos de um país de porcos coniventes.

Ah, cão raivoso!

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publicado às 11:34

Albert Finney em Under The Volcano

por slade, em 19.10.17

under the volcano.jpg 

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publicado às 15:22

Under The Volcano (1984)

por slade, em 19.10.17

Não é o tempo ou a experiência, gémeos que escolheram viver como vizinhos, que nos preparam para um filme como Under The Volcano (1984), antepenúltima realização de John Huston. Porque nada nos prepara para a morte. Fora do jogo da ilusão, é claro.

Não podemos habitar a morte, pois é o consumar que tudo elimina, e os genes sabem-no bem. Não nos podemos vestir para a morte, alguém terá de o fazer por nós. Contemplar o fim dos fins é algo que nem ao poeta é permitido, apesar de o próprio, na vertigem criativa, o julgar possível em certas circunstâncias. Mas sempre imerso na ilusão, dadas as voltas que se tenham querido dar, até à tontura, até à demência (armadilha, como se não bastasse – ao louco, aparentemente, tudo pode ser dado a contemplar, mas é como se nada lhe fosse verdadeiramente concedido, nem a efectiva possibilidade de ver, biologia em cima da mesa). Ver através de uma parede de chumbo, mesmo se coberta por um lençol branco capaz de reflectir todas as cores? Não, obrigado!

Mas não é isto o cinema? Claro que sim, derradeira máquina de travestismo – armadilha vezes dois, uma vez que apenas ao sóbrio se dirige enquanto obra. Mecanismo de tortura. Mecanismo disfuncional, por nunca ligar à terra – como se nos fosse atirando quantidades de areia para os olhos, e quando os fôssemos esfregar nada pudéssemos sentir senão a ausência, até do incómodo. Ou seja, é absoluto: da morte não se sai e a morte não se vislumbra.

No entanto, e se por uma vez assim fosse, se por um breve instante se conseguisse vislumbrar? Pois, e finalmente chegámos (regressámos) a Under The Volcano… Albert Finney é o sujeito, único sujeito viável, e John Huston a fonte do (que é) inconcebível mas necessário.    

 

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publicado às 12:23

Bad Trip, Good Trip...?

por slade, em 07.10.17

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publicado às 10:26


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