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Qual é a probabilidade de alguém nascido Farrokh Bulsara, em Zanzibar, usar bigode grande parte da vida adulta e, ainda assim, se tornar numa das maiores lendas da música sob o inacreditável nome de Freddie Mercury?
Uma nuns quantos biliões. Faz hoje 25 anos que morreu.
Soube disso numa manhã fria, ainda mais fria do que esta, muito mais fria do que esta, enquanto me dirigia para o museu da minha cidade (cidade pequena, museu deveras acolhedor) - usava o bem mais precioso que então possuía, um walkman (ainda de cassetes, já os cd vendiam mais desde 1988) com sintonização de rádio. Desde as mortes do Marvin Gaye e do António Variações que aqueles que mais gostava insistiam em permanecer vivos. Enfim, será que gostava assim tanto do Marvin Gaye ou apenas me sentia tentado a gostar dado o trágico final do seu caminho nesta Terra demasiadas vezes - em demasiados lugares - de demasiadas formas - maldita? Foi morto pelo próprio pai. Bem sei que de certa forma o somos todos, mas muito poucos a tiro de caçadeira. Ou isso ou alguém anda a esconder alguma coisa.
Enfim, uma vez que não consigo deixar de falar de mim, o que de pouco importa para o caso, fico por aqui.
Parece mais do mesmo, e ainda bem - Extrema felicidade!
Qualquer um, não importa se em pleno uso das suas faculdades ou não, diria facilmente que não gostar dos Abba é uma hipótese como outra qualquer. Contudo até hoje ninguém conseguiu articular um conjunto de razões minimamente coerente que sustentasse essa hipótese... Mistério? Nem por isso.
Eis porquê:
Ou então:
O tempo passa, e desde 1978 já se ergueram do belo nada duas novas gerações, tendo caído outras tantas; dito de outro modo, largos dezenas de milhões tornaram-se adultos e outros tantos viram morrer os seus pais e avós.
1978: o ano em que Oliver Stone e Alan Parker (ainda vivos), pela voz de Brad Davis (este cedo desaparecido), no filme Midnight Express, introduziram um novo, polémico e, à época, extravagante conceito, o País de Porcos. Dizemos à época, pois hoje tudo é possível, mesmo se nada é conceito. País de Porcos, designação com conteúdo. Pós-moderna, pois claro, no que isso tem de odioso, logo tantas vezes cruel, por parecer injusto dar ao todo o que é apenas da maioria, porém inevitável. Resposta estimulada por uma percepção a que o pobre e iludido humano não pode escapar desde tempos imemoriais, a sensação de uma justiça exemplar e estruturalmente benigna, superior ao pobre espirito aprisionado no seu corpo (em cada um de nós). Quando a força vibrante dessa justiça se escapa perante o aplauso ou indiferença da multidão, para benefício de alguns em representação do sistema, ou em nome do sistema, como falamos de países, estamos então diante de um País de Porcos.
No filme, Billy Hayes, jovem rebelde sem grande causa, no final de uma viagem a Istambul, comete um erro crasso: tenta fazer passar pela alfândega aeroportuária uma certa quantidade de haxixe. É apanhado, julgado e condenado a quatro anos de prisão. Cumpre praticamente a totalidade da pena. Eis quando volta a tribunal por uma qualquer razão que desconhece. Dizem-lhe que afinal a primeira pena não é válida, não é tudo, que lhe faltam cumprir trinta anos. Inicialmente perplexo dado o volte-face, de flagrante e singular iniquidade, Billy Hayes acaba por explodir contra o tribunal e o que ele representa:
“I just wish for once that you could be in my shoes, Mr. Prosecutor, and then you would know something that you don't know: mercy! That the concept of a society is based on the quality of that mercy; its sense of fair play; its sense of justice! But I guess that's like asking a bear to shit in the toilet.
For a nation of pigs, it sures is funny you don't eat'em! Jesus Christ forgave the bastards, but I can't! I hate! I hate you! I hate your nation! And I hate your people! And I fuck your sons and daughters because they're pigs! You're a pig! You're all pigs.”
Eram os turcos, no filme, como são os turcos de hoje, tão solícitos a validar as diatribes de um tal de Erdogan.
Como são também os filipinos, fascinados a 80% por um homicida que fala com deus.
Como o são os húngaros no seu deslumbramento por Orban. Logo os húngaros, o primeiro povo sob o jugo comunista-soviético que decidiu dizer não, e com isso passaram a ser louvados no coração dos homens livres. Até que veio Orban.
Poucas dúvidas restam em relação à Rússia de hoje e (enfim) de ontem, como não as há para o Chile de Pinochet (apesar de uma vigorosa, ainda que minoritária, resistência). Não esquecendo a Venezuela, que parece querer reagir – mas para onde se dirige?
Depois, a Polónia, e o longo e insuportável chicote comunista não é desculpa. Já não pode ser.
Aguardamos ainda, com crescente inquietude, as eleições austríacas.
E com profundo receio pelo que possa acontecer em França – e quanto a isso, vamos mais longe, e dizemos, rogamos: “Não, a França não. Por favor. Pode acontecer a todos, menos à França.”
Agora o que não esperávamos, o que não podíamos esperar, o que nem sequer se punha como hipótese, que não se supunha no intervalo anterior ao ponto estatisticamente insuportável (por muito pequeno que seja o intervalo, e onde quer que se queira colocar o ponto estatisticamente insuportável (talvez intolerável seja melhor expressão)), foi o que aconteceu nos US of A no dia 8 de novembro de 2016. O conceito regressa à casa de partida. A América não ficou maior, mas sim mais suja. Habitada por porcos.
Se fosse hoje, Billy Hayes ao levantar a cabeça, triturado pela máquina, mudo pelas circunstâncias, olharia em volta e veria, imagine-se, os seus.
“Enfim, um pouco:
Estupefacto;
Estranhamente sorridente;
Aliviado (pelo menos não elegeram o Negan);
Aparvalhado;
Aliviado II (pois não sendo o homem-Trump um idealista, é por certo um hedonista, logo jamais vai carregar no botão das armas nucleares);
Minimizado;
Pobremente apalhaçado;
Esmagado pelas circunstâncias;
Assacanado;
Como se a viver dentro de um sonho;
Tipificado;
Clarividente, mas incapaz de ver para lá do horizonte de acontecimentos;
Sonhador, quando perante a possibilidade de sonhar para lá do horizonte de acontecimentos, ou seja, aterrado;
A sonhar como se a viver dentro de um sonho;
Vivo, porém sem certezas;
Pensativo;
Desejoso de que tudo corra mal;
Sóbrio;
A precisar de uma lição;
Desesperadamente mexicano;
Incongruente;
Chicoteado;
Orgulhosamente canadiano;
Ávido pelas cinco da tarde para continuar a ler Proust (ah, como é bom poder esquecer que existe uma coisa chamada mundo exterior!).”
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