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Principio por referir que este é um cenário absolutamente lógico [quer dizer: a divulgação de um livro – por acaso da autoria de quem é – e por acaso (brevemente, muito brevemente) apresentado por quem vai ser] –

Agora reparem no seguinte, momento deveras encantador: dois tipos da mesma cidade, mas que nunca se tinham visto antes; um estava sentado num banco a ler, o outro passou e disse que já tinha lido aquele livro; depois perguntou (ao que se encontrava sentado) o que estava a achar do livro, e acrescentou que tinha gostado muito. O sentado, nesse momento quase a terminar a leitura (restavam três-quatro páginas), respondeu a olhar para cima que lhe parecia uma obra notável, [e não resistiu a completar deste modo:] contudo de uma grande e desamparada melancolia. Ao que o outro anuiu. Depressa verificaram que a conjunção adversativa vinha a mais. Não havia lugar a subordinação… Para quê o inútil mas antes da invocação da melancolia, já de si um eufemismo para solidão? Haviam sido traídos pelo habitual receio da primeira vez (inevitabilidade, e por isso respeitável – desde que logo inflectida). Assim foi. Concluíram então, como se impunha, sobre aquela e outras obras, que em literatura a solidão vale sempre ou quase sempre a pena, e é por si só um modelo, um objectivo, não precisa de um antecedente (objectivo ou não) que a justifique.

Sobre esse encontro, autêntico – no que a memória ainda tem de fidedigno, resta mencionar o óbvio: os dois tipos éramos nós e o livro era O Velho e o Mar, de E. Hemingway.

Portanto, se começou com um livro, então também faz sentido que tenha continuidade, e forte ligação, com livros. E não é sequer inesperado ou extravagante que um de nós seja o autor de um livro, pois sempre partilhámos esse prazer obrigatório de arriscar o outro lado. Era uma questão de tempo. Daí o cenário absolutamente lógico.

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E que livro? Este livro – como, imagino, todos os outros – tem pelo menos duas histórias, a que foi escrita e a história da sua criação, sendo que esta última, não raramente história de histórias, remete para pelo menos três versões e pelo menos três títulos. Cerca de dez anos permearam entre a primeira e a suposta terceira versão, e entre o primeiro e o suposto terceiro título.

Da primeira versão recordo sobretudo alma, vigor e emoção; energia pura – se se quiser. Da segunda, e novamente resumindo pelo mínimo essencial, mais esquema, rigor quiçá excessivo e, por isso, quem sabe, menos força, menos alvoroço e, por comparação, algum défice de alma. Tudo dentro do normal. Primeiro a emoção, depois a razão, assim nos dizem. Todos os que tentaram escrever, desta ou daquela forma passaram por um processo semelhante para encontrar o ponto certo. Limadas as arestas, o que pode significar voltar para trás, por fim o livro.  

Culminou em Ode Eterna. Obra de ficção-cientifica, ainda que, curiosamente, não reconhecida desse modo pelo autor. Questão a colocar (ao mesmo) … Questão que talvez não importe.

Obra de ficção-científica. Vamos partir desse princípio. De que vale (ainda) uma aposta nesse género?

Uma (mesmo se) muito passageira revisitação histórica diz-nos bastante. Género reconhecido como tal a partir da Revolução Industrial. E aqui também estamos no campo do esperado. É certo que Cyrano de Bergerac pôs um homem na lua algures entre 1645 e 1650, mas apenas como fantasia poética. Como os Deuses gregos também viviam tendencialmente acima das nuvens, e disparavam raios, que eram muito de determinação e poder expresso e nada laser ou phaser. O corpo substantivo do género teria necessariamente de advir de tempos pretensamente menos mágicos e mais práticos. Que é como quem diz, desses tempos, quaisquer que viessem a ser, ou do sonho (sonho-imagem) desses tempos. É um género que precisa de uma componente de ilusão firme. Um sustento. A substância da evolução, digamos. E que melhor quimera do que a evolução tecnológica. As naves espaciais viajam sob a protecção (a capa) da ciência, mesmo se de forma pouco clara e / ou a velocidades impossíveis no contexto em causa.

O foguete atirado de um canhão gigantesco para fora da órbita terrestre em Da Terra à Lua, de Júlio Verne (1865), parte de um aparente bom princípio, mas, atingida a velocidade necessária num único e repentino movimento impulsivo, esmagaria qualquer pobre corpo que estivesse lá dentro. Nada que um desmaio funcional e muita força de vontade não resolvam, o sumo dramático que agarra o leitor, com a devida capa (ilusoriamente) protectora. Por isso, os primeiros tuneis em que os difusores do género entraram tinham a devida luz lá no fundo – não muito (não demasiado) longínquo. Havia uma saudável expectativa sob a forma sem forma de uma fresca e doce corrente de ar.

Depois, já na plenitude do século XX, uma outra fase apareceu, para prevalecer, vítima das circunstâncias de mais um Século das Luzes; este, mesmo à mão de semear. Século que estava a pedi-las – Pascal Bruckner chamou-lhe a “euforia perpétua”, expressa nas hipóteses A) da felicidade obtida no instante e B) na perspectiva mítica da evolução contínua. Muitos acreditam que foi a primeira vez em que um século terá tido imediata consciência de si próprio. Luzes de grande alento mas que, se me é permitido o jogo, fundiam muito facilmente. Desse desencanto assomou a distopia, que se constituiria como apoio fundamental do género. Perguntar sobre quais as melhores obras de ficção-científica implica inevitavelmente a colocação de Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, de George Orwell, O Homem do Castelo Alto, de Philip K. Dick, Solaris, de Stanislaw Lem, Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, ou Stranger in a Strange Land, de Robert Heinlein, em qualquer TOP-10. Outras inevitabilidades: os livros anteriores são todos eles caracterizados por ausências, quando os lemos sentimos acima de tudo o que está em falta, não o que estritamente contém cada um, e a ausência mais notada é a ausência de esperança. Vejamos – Sintetizando, e mantendo a sequência dos títulos antes enunciados: Um suicídio lógico, e portanto obrigatório / Uma aceitação que é a perda total da individualidade / Uma viagem ao auto-reconhecimento que exclui coordenadas exteriores reconhecíveis – logo um final feliz para a viagem / Uma queda no abismo da falta de comunicação / A impossibilidade de ser livre / Ou da inevitabilidade do sacrifício sem expectativa.

Dito isto, e dado que os tempos nos levaram para uma de duas: ou a aceitação dessa ausência, ou a queda no escape inútil da fantasia caprichosa, talvez seja o momento (e se não for por necessidade, então que seja por gozo) de começar a examinar as hipóteses não-nulas – hipóteses viáveis – também como um de dois caminhos possíveis: ou aguardar serenamente por outros tempos, mais favoráveis à esperança, ou habituarmo-nos à desesperança sem escape. Sabendo que se vive muito bem sozinho em desesperança e que viver a esperança em solitário, podemos garantir, não faz sentido nenhum.

Será esse o campo de influência, para posterior esclarecimento - claro está, de Ode Eterna? O futuro leitor que faça por encontrar a resposta.

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publicado às 19:14


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